Prisão preventiva alargada se houver condenação. Recursos vão deixar de suspender prisão e contagem de tempo para a prescrição dos crimes.
Reforma: Ministra quer endurecer os códigos penais. Condenados vão ter mais dificuldade em fugir à cadeia. Consegue imaginar como seria a Justiça em Portugal se alguns dos condenados a penas de prisão nos tribunais de primeira instância fossem conduzidos de imediato à prisão em vez de ficarem em liberdade a aguardar o resultado dos recursos? E se passar a ser quase impossível que os crimes prescrevam? O que por enquanto são cenários pode tornar-se realidade a curto prazo.
Pelo menos é essa a intenção de Paula Teixeira da Cruz. A ministra está a ultimar um conjunto de novas alterações aos códigos penal e de processo penal para levar a Conselho de Ministros dentro de duas a três semanas. Passado este crivo, ficará a faltar a necessária aprovação da Assembleia da República.
A maior das ruturas acontece com o aumento do prazo da prisão preventiva, que agora não excede, em regra, dois anos para os crimes mais graves ou três anos e quatro meses nos processos mais complexos. A ministra foi inspirar-se no modelo alemão e prepara legislação que permita alargar aquele prazo assim que houver condenação de um tribunal de primeira instância.
A intenção é que quem chegue a julgamento na condição de preso preventivo e seja condenado veja o limite da prisão preventiva ser alargado para o período fixado na sentença do tribunal. Por exemplo: se alguém que já esteve preso preventivamente dois anos for condenado a cinco, pode ficar em prisão preventiva durante mais três anos ou até os recursos serem apreciados.
Na Alemanha, se um arguido for libertado por ter esgotado o prazo para a prisão preventiva e o tribunal de primeira instância o condenar a uma pena maior, pode voltar para a cadeia independentemente dos recursos que interpuser. E aguardará preso que as instâncias superiores se pronunciem, caso seja essa a vontade do juiz — normalmente nos casos em que haja perigo de fuga ou alarme social. O mesmo poderá vir a acontecer em Portugal, quebrando-se o princípio do efeito suspensivo dos recursos.
Bom para a Alemanha
Esta alteração está a ser cuidadosamente estudada, para não colidir com o tão falado "princípio constitucional da presunção de inocência até trânsito em julgado". A ministra ainda não tem a redação final da norma que levará aos seus colegas de Governo, mas os objetivos estão traçados e deverão ser de aplicação obrigatória aos casos em que haja perigo de fuga, continuação da atividade criminosa ou a libertação cause alarme social. Mas esta não é a única mudança profunda. Também a prescrição dos crimes passa a ser contabilizada de outra forma. Segundo as normas em vigor, o tempo de espera pela resolução dos recursos conta para a prescrição — e muitas condenações caem por excesso de tempo na resolução dos recursos. Isaltino Morais, por exemplo, aposta nesta eventualidade.
Porém, a ministra quer impor que o prazo para a prescrição termine logo que haja uma primeira sentença. Se assim for, deixam de ter quaisquer efeitos práticos os chamados "expedientes dilatórios" — os sucessivos recursos, pedidos de aclaração e incidentes processuais que eternizam os processos desde que saem do tribunal de primeira instância e ficam a aguardar acórdãos dos tribunais superiores. As prescrições passam a ser a exceção e não a regra, como agora acontece nos grandes casos. "O problema é que o sistema alemão é muito bom para ser posto em prática na Alemanha, onde há uma cultura de respeito entre as diferentes profissões jurídicas, aqui não sei", nota Figueiredo Dias, professor de Direito da faculdade de Coimbra. "Lá, só se pode ficar seis meses ou um ano em prisão preventiva sem ser julgado. Acha possível que em Portugal se adotem estes prazos?".
Mais: "De acordo com o código alemão, nos casos de criminalidade especialmente violenta ou de especial complexidade, ou por uma "razão importante" não há um limite máximo para a prisão preventiva, outra coisa completamente inimaginável em Portugal. Mas até conhecer a proposta do Governo não vou pronunciar-me". "Não concordo", reage Marinho Pinto. "Os magistrados têm é de trabalhar mais e decidir os recursos em tempo útil. Não é a reduzir direitos dos arguidos que se resolvem os problemas, e muito menos a andar a legislar ao sabor das manchetes dos tabloides, como o Governo anda a fazer", conclui. A Associação Sindical dos Juizes, não quis comentar a iniciativa do Governo e João Palma, do Sindicato dos Magistrados do MP, não respondeu aos contactos do Expresso.
Teixeira da Cruz quer, também, que as confissões feitas durante a investigação, perante um magistrado e na presença do advogado de defesa, passem a ser válidas em tribunal — uma intenção anunciada em novembro numa entrevista ao Expresso e desde aí fortemente contestada pelo bastonário dos advogados. Outra das mudanças de peso é a realização de julgamentos sumários para os presos em flagrante delito — assunto que foi alvo de recente acordo entre PSD e CDS.
João Garcia e Rui Gustavo
Expresso de 04-02-2012
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