quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Défice e Constituição


Falar dos limites do défice, da sua fiscalização, dos seus efeitos na vida das pessoas e da Constituição é falar de cidadania e de justiça social. Não é falar de política partidária, a “quinta privada”, dos políticos. Nesta não me meto, embora, houvesse muito a dizer sobre o papel dos partidos políticos na vida democrática.
Dirão os puristas da democracia e os nobres defensores da Constituição, que esta não deve ter nenhuma relação constitucional com o limite do défice. E têm toda a razão.
Mas os “sábios” da Europa inventaram, agora, esta coisa estranha de quererem constitucionalizar o limite do défice. Pretendem que a Constituição seja a guarda pretoriana do défice, ou seja, que esta seja a garantia das trapalhadas do modelo Europeu criado mas não sustentado. E que caucione a incompetência grosseira e a gestão danosa da coisa pública. Sim, porque o défice não é só feito da crise financeira e dos mercados, tem também muito disto.
Mas esta “fantástica” invenção é para os políticos europeus darem a ideia de que estão muito preocupados com o défice que criaram. Que, no caso português, hipotecou, para os próximos quarenta anos, o futuro das novas gerações.
Esta maldade que se preparam para fazer à Constituição é a melhor forma de a “matarem” definitivamente. Se nenhum Poder respeita a “Magna Carta”, porque todos os dias é violada, um pouco como o segredo de justiça, que adianta inserir no texto constitucional o limite ao défice? É para continuar a não ser respeitada e sem qualquer consequência.
E, se o limite ao défice não for respeitado? E, se for alterado, por razões de conveniência ou de puro oportunismo político? Rasga-se a Constituição ou vamos andar sempre a revê-la? Por favor, inventem outra.
A Constituição não deve servir para isto. O limite ao défice deve estar na mentalidade dos decisores políticos e ser introduzido, com grandes doses, no comportamento humano de quem decide. Para termos políticos mais sérios, mais probos e responsáveis, que não se sirvam da política para se “desenrascarem”, mas para servirem o bem comum. O comportamento humano desviante, as lideranças de fraca qualidade, que são permeáveis a tudo, não podem ter uma Constituição ao seu serviço. E um Tribunal Constitucional que fazia de conta quando o défice aí previsto não fosse respeitado.
E a avaliar pela falência do euro e desta Europa que cresceu, para vinte sete, sem ter consolidado o modelo, a estrutura e as regras orçamentais, pobre da Constituição, que vai ser banalizada, por tantas transgressões.
Rui Rangel
Correio da Manhã, 15-12-2011

Sem comentários: