Acórdão do Tribunal de Justiça - 4 de Outubro de 2011: Football Association Premier League e os Processos apensos C-403/08 e C-429/08 [Entre os autores, o nosso J. N. Cunha Rodrigues]
O Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
1) A noção de «dispositivo ilícito», na acepção do artigo 2.°, alínea e), da Directiva 98/84/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Novembro de 1998, relativa à protecção jurídica dos serviços que se baseiem ou consistam num acesso condicional, deve ser interpretada no sentido de que não abrange nem os dispositivos de descodificação estrangeiros – que dão acesso aos serviços de radiodifusão e são fabricados e comercializados com a autorização desse organismo mas são utilizados, à revelia deste, fora da zona geográfica para a qual foram fornecidos – nem os obtidos ou activados mediante a indicação de um nome e de uma morada falsos, nem os que são utilizados em violação de uma limitação contratual de utilização para fins exclusivamente privados.
2) O artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 98/84 não obsta a uma legislação nacional que impede a utilização de dispositivos de descodificação estrangeiros, incluindo os obtidos ou activados mediante a indicação de um nome e de uma morada falsos ou os utilizados em violação de uma limitação contratual de utilização para fins exclusivamente privados, uma vez que essa legislação não é abrangida pelo domínio coordenado por essa directiva.
3) O artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que:
– se opõe à legislação de um Estado‑Membro que torna ilícita a importação, a venda e a utilização nesse Estado de dispositivos de descodificação estrangeiros que permitem o acesso a um serviço codificado de radiodifusão por satélite proveniente de outro Estado‑Membro e que inclui objectos protegidos pela legislação do primeiro Estado,
– esta conclusão não é infirmada nem pelo facto de o dispositivo de descodificação estrangeiro ter sido obtido ou activado mediante a indicação de uma identidade e de uma morada falsas, com a intenção de contornar a restrição territorial em causa, nem pelo facto de ser utilizado para fins comerciais, apesar de ter sido destinado a uma utilização de carácter privado.
4) As cláusulas de um contrato de licença exclusiva celebrado entre o titular dos direitos de propriedade intelectual e um organismo de radiodifusão constituem uma restrição da concorrência proibida pelo 101.° TFUE, uma vez que proíbem a esse organismo o fornecimento de dispositivos de descodificação que permitam o acesso aos objectos protegidos desse titular com vista à sua utilização fora do território abrangido pelo contrato de licença.
5) O artigo 2.°, alínea a), da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que o direito de autor abrange os fragmentos transitórios das obras na memória de um descodificador de satélite e num écran de televisão, desde que tais fragmentos contenham elementos que sejam a expressão da criação intelectual dos autores em causa, devendo ser analisado o conjunto constituído pelos fragmentos simultaneamente reproduzidos para se verificar se contêm esses elementos.
6) Os actos de reprodução como os que estão em causa no processo C‑403/08, efectuados na memória de um descodificador de satélite e num écran de televisão, preenchem as condições enunciadas no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 2001/29 e podem, assim, ser realizados sem a autorização dos titulares dos direitos de autor em causa.
7) A noção de «comunicação ao público», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/29 deve ser interpretada no sentido de que abrange a transmissão de obras radiodifundidas através de um écran de televisão e de altifalantes aos clientes que se encontrem presentes num pub.
8) A Directiva 93/83/CE do Conselho, de 27 de Setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, deve ser interpretada no sentido de que não tem relevância sobre a licitude dos actos de reprodução efectuados na memória de um descodificador de satélite e num écran de televisão.
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