segunda-feira, 25 de julho de 2011

A azáfama da “luta contra o tempo” continua em todos os tribunais

Os julgamentos pararam, mas os tribunais não. Aproveita-se para fazer limpezas e mudanças. E há processos urgentes
As férias judiciais começaram no dia 15, mas a azáfama permanece nos tribunais. Na 5ª Vara Criminal do Campus da Justiça, em Lisboa, os advogados esperam a chegada de processos que querem consultar. No Palácio da Justiça, uma empresa de mudanças descarrega cadeiras e armários para que fiquem ali instalados os juízos cíveis que vão deixar o velho edifício da Rua de Mouzinho da Silveira. Ao nosso encontro vem o procurador da República Pina Martins, que está de turno a assegurar o serviço do Ministério Público (MP) da área cível de Lisboa enquanto os colegas gozam férias. O magistrado passou o dia a tratar de insolvências no Tribunal de Comércio, em substituição dos quatro procuradores que ali prestam serviço e, no Palácio, ainda vai ter de despachar umas quantas providências cautelares. É o ambiente frenético das férias que o DN foi encontrar nos tribunais. A ideia de que a justiça está parada no período do Verão, entre 15 de Julho e 31 de Agosto, é completamente errada. Os prazos dos processos ditos normais estão, de facto, suspensos entre aquelas datas. Por exemplo, se um advogado tem 20 dias para recorrer de uma sentença e o prazo começa a 13 de Julho, a contagem pára no dia 15 para se reiniciar a 1 de Setembro. Mas se se tratar de uma providência cautelar, da libertação de um recluso, da decisão para o internamento de um menor, da declaração de insolvência de uma empresa, entre outros, a suspensão dos prazos já não se verifica Estes processo são considerados urgentes. Todos os que assim são classificados correm nos períodos de férias tal como no período normal. E são muitos.
Pina Martins encontrou-se connosco numa quinta-feira. No dia anterior, tinha passado a manhã e a tarde no Tribunal do Comércio a tratar de vários processos de insolvência de empresas. Ouviu trabalhadores, reclamou os créditos a que têm direito, reclamou também os créditos da Fazenda Pública: IVA, IRC, coimas que as empresas declaradas insolventes têm de pagar. E as contas têm de bater certo. Caso se engane, corre o risco de ser responsabilizado e ter de repor o dinheiro do seu bolso. Ao contrário dos juízes que são irresponsáveis, os magistrados do MP são responsabilizados por erros ou omissões. “É uma luta contra o tempo”, reconhece o procurador da República que, juntamente com um procurador-adjunto, assegura o serviço do MP em toda a área cível de Lisboa. Na quinta-feira, o dia de Pina Martins foi igualmente “penoso”, e na sexta pior. No Tribunal do Comércio está a correr a insolvência de uma grande empresa e seria o último dia para os trabalhadores reclamarem os créditos. “Vão aparecer à ultima hora”, previu o magistrado. Toda esta azáfama seria atenuada se os magistrados e funcionários judiciais pudessem gozar o descanso fora do período das férias judiciais. Mas a lei obriga-os a encaixarem-se naqueles dias, entre 15 de Julho e 31 de Agosto, que correspondem a 32 dias úteis. Ora a média de férias dos magistrados do MP é de 28 dias (as regras são as mesmas dos funcionários públicos), sendo que a lei lhes permite gozar pelo menos 22 dias seguidos. Depois, há os turnos para assegurar os processos urgentes, porque os tribunais nunca fecham. Ou seja, se um magistrado fizer três dias de turno na segunda semana de Agosto, fica sem 22 dias úteis seguidos para gozar as férias, para trás ou para a frente, tanto mais que antes de realizar os seus três dias de turno tem de estar de prevenção outros tantos, para o caso de faltar o colega do turno anterior ao seu. Ou seja, é complicado fazer o mapa das férias. Por isso, antes da era Sócrates, as férias judiciais prolongavam-se por dois meses, o que simplificava a marcação dos períodos de descanso. Além desta dificuldade, acresce que o gozo das férias bate sempre em época alta, o que “é injusto”, sublinha Pina Martins. Mas também para os advogados, um mês e meio de férias judiciais, ou até mesmo de dois meses, são essenciais. “Se não fosse assim, nunca teríamos descanso, diz uma advogada que, sentada na 5.” Vara Criminal do Campus de Lisboa, aguardava a consulta de um processo. Segundo aquela jurista, que prefere manter o anonimato, sem férias judiciais os atrasos nos tribunais seriam muito maiores. “Aquele tempo de suspensão dos prazos é precioso para pormos em dia os processos mais complexos”, confessou. “Sem aquele tempo de paragem processual, os advogados dos pequenos escritórios nunca poderiam descansar”, referiu. João, um funcionário judicial, lamenta não poder gozar férias no Inverno ou numa época mais barata. Mais. A sua mulher também não pode desfrutar do descanso laborai entre 15 de Julho e 31 de Agosto. Por isso têm de se separar nas férias. Mas “só nas férias”, garantiu João.
Diário de Notícias, 25 de Julho de 2011

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