Justiça III: O FMI e a Justiça outra vez
NUNO GAROUPA
Ao contrário da euforia dos muitos comentadores que viram no MoU (“memorandum of understanding”) do FMI um programa de reforma da justiça, eu acho que fica muito aquém do que Portugal precisa para além de tecnicamente defeituoso. Pode mesmo a prazo ser um projecto desastroso.
(1) É claro que o MoU não pretende reformar a justiça porque isso não responde a qualquer preocupação do FMI ou da União Europeia.
As medidas impostas pela troika pretendem apenas resolver ou suavizar os aspectos fundamentalmente processuais e de gestão dos tribunais que afectam directamente as grandes empresas e os escritórios de advogados. Como muito bem disse o bastonário da Ordem dos Advogados, não se trata de melhorar a justiça para a sociedade e para a cidadania portuguesa, mas apenas facilitar a vida às empresas e supostamente aos investidores.
(2) As medidas consagradas pelo MoU aceitam como bom o diagnóstico feito pelo Governo. Como muito bem comentou Boaventura Sousa Santos logo após a publicação do MoU, o projecto do FMI limita-se a implementar as medidas que já estavam previstas pelo actual Governo e até por Governos anteriores.
Aceita como bom o novo mapa judiciário (fazendo uma leitura claramente equívoca da reorganização das comarcas; parece pensar que se vão fechar tribunais quando não é verdade), entende como suficientes as medidas do PECIV preocupando-se apenas com a sua calendarização até 2013. No fundo, o MoU apenas visa assegurar a implementação de um conjunto de medidas que estavam já pensadas e que, na minha opinião, respondem a um problema conjuntural e não estrutural (para além de outras fundamentalmente inúteis como os tribunais especializados na concorrência e na propriedade intelectual).
(3) As medidas impostas pelo MoU são globalmente positivas em termos da gestão dos tribunais e da agilização dos processos. Mas como sabemos exigem um reforço orçamental do Ministério da Justiça muito significativo. Quase todas as medidas impostas pelo MoU acarretam um aumento do gasto público a curto prazo, e quase nenhuma gera poupanças antes de 2013. Sabemos, por exemplo, que a implementação a curto prazo do novo mapa judiciário como é exigido pelo FMI pede um investimento que não esteve disponível nos últimos 18 meses. Não só o MoU “esquece” o custo das medidas que exige no contexto das “reformas de contexto” como não o contabiliza no plano de redução do gasto orçamental. Será pois curioso ver como vai o novo Governo financiar estas medidas num contexto generalizado de redução de gastos.
(4) Absolutamente irrealista e irresponsável é o compromisso de acabar com as pendências no segundo trimestre de 2013. Nem o FMI nem quem aceitou tamanha loucura olhou para as estatísticas.
Dando por barato que 2011 já está perdido mas sendo excepcionalmente optimistas, vamos pensar que em 2011 não se agravam as pendências. Tendo em conta o número de processos entrados em 2010, nos 18 meses que vão de Janeiro de 2012 a Junho de 2013 esperam-se um milhão de processos a que se devem somar o milhão e meio de pendências. Portanto, segundo o FMI, entre Janeiro de 2012 e Junho de 2013, os tribunais portugueses devem solucionar dois milhões e meio de processos. Mais ou menos o mesmo número de processos entre Janeiro de 2005 e Dezembro de 2010, isto é, fazer em 18 meses o mesmo que fizeram em seis anos. Alguém acredita? Mesmo fazendo a “limpeza” das estatísticas (que o mesmo MoU autoriza!!), ninguém pode pensar que semelhante resultado é possível. Dizia o desembargador Rui Rangel que é de leão. Eu acho que é de gente pouco séria.
(5) Uma melhoria efectiva e notória da justiça portuguesa exige um programa muito mais profundo e completo que o conjunto de medidas do MoU. Sendo positivas, são efectivamente insuficientes. E exige-se um desempenho quer em termos de gasto público, quer em termos de pendências absolutamente inconsistente. Contudo, mais preocupante, no meu ponto de vista, estas medidas do MoU podem esgotar a capacidade política do próximo Governo para fazer uma reforma da justiça Sinceramente, com as medidas impostas pelo MoU, não entendo como vai ser possível fazer melhor com menos recursos na justiça até ao final de 2013. Os mais pessimistas podem dizer que era “isto” ou nada. Mas “isto” vai resolver muito pouco.
(6) É verdade que enquanto o PS não apresenta nenhuma medida concreta para a justiça para além da retórica habitual e do que estava consagrado no PEC IV, o PSD propõe um conjunto de medidas estimulantes, exigentes e mais profundas que o MoU (incluindo a avaliação quantitativa e qualitativa dos magistrados que me parece fundamental desde que desenhada para evitar os erros da experiência espanhola). Muitas dessas propostas vão ser politicamente complicadas de implementar mas, na generalidade, certamente estão no caminho adequado.
(7) Veremos se o novo ministro da Justiça tem a capacidade e o peso político adequado para recuperar o tempo perdido dos últimos seis anos. O PS escolheu dois senadores (Alberto Costa e Alberto Martins) que, tendo peso político importante, não tinham nenhuma ideia para a justiça em detrimento de quem tinha por ser demasiado jovem (João Tiago Silveira) ou sem peso político (Maria Manuel Leitão Marques).
Esperemos que o PSD, com ou sem CDS, saiba fazer diferente!
Professor de Direito da University of Illinois nuno.garoupa@gmail.com
Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira
Jornal Negócios | quinta-feira, 12 Maio 2011
Juizes e magistrados querem melhorar a Justiça para que economia evolua
Disponíveis para ajudar
Juizes e magistrados encontraram-se com o Presidente da República e apresentaram propostas para melhorar a Justiça e a economia.
Os juizes estão disponíveis para trabalhar e contribuir para a concretização das medidas acordadas com a «troika» e defendem que o País deve aproveitar esta oportunidade para fazer “uma efetiva reforma da Justiça”.
A Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP) foi ontem recebida pelo Presidente da República, em Belém, numa reunião em que o assunto dominante foi a preocupação acerca do modo como pode ser melhorado o funcionamento da Justiça para que esta contribua para um melhor funcionamento da economia. No final do encontro com Cavaco Silva, o presidente da ASJP, António Martins, disse que a associação está a analisar o memorando de entendimento entre o Governo e a «troika» para “ver de que forma pode contribuir para a concretização das medidas”.
Por outro lado, a ASJP poderá apresentar outras propostas relacionadas com a capacidade do sistema de Justiça poder “funcionar em tempo útil e adequado” para que os cidadãos e as empresas encontrem na Justiça “um fator, não de bloqueio às suas atividades, mas que permita que a economia funcione efetivamente melhor”.
Também os magistrados do Ministério Público entregaram ontem ao Presidente da República 50 propostas para a Justiça, que apontam para poupança de recursos e pretendem complementar as medidas acordadas com a «troika» da ajuda externa.
O dirigente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) considerou que o quadro traçado pela «troika» para o setor “é incompleto” e com uma visão “muito económica” sobre a reforma da Justiça, mas as propostas que apresentaram “não contrariam, mas complementam” as medidas previstas.
Entretanto, na Maia, o bastonário da Ordem dos Advogados concordou ontem que as medidas propostas para a Justiça, no âmbito da ajuda externa a Portugal, são ditadas por “razões economicistas” e não por valores como “a cidadania e os direitos humanos”.
Marinho Pinto considerou que a Justiça “entrou em conflito aberto com o desenvolvimento”, considerando-a “um fator de bloqueio e paralisação da atividade económica”. “As empresas não conseguem cobrar os seus créditos em tribunal”, exemplificou o bastonário.
Por outro lado, Marinho Pinto recordou que há problemas que se prendem com a cidadania, porque “a Justiça enquistou-se”.
“Os negociadores da «troika» (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI) não tiveram e não têm” em conta essa dimensão específica”, completou.
Primeiro Janeiro | quinta-feira, 12 Maio 2011
Ministro da Justiça anuncia mini-revolução nos processos de insolvência
Ministro da Justiça anuncia mini-revolução nos processos de insolvência
Repor a verdade estatística, extinguir processos executivos e separar a amálgama de pendentes são as promessas de Alberto Martins, ministro da Justiça. Foram deixadas ontem com a assinatura de um protocolo que permite o acesso ao CITIUS (sistema informático dos tribunais) por parte dos administradores de insolvência, usando um certificado digital fornecido pela Câmara dos Solicitadores, que afirma a disponibilidade para reduzir a metade as pendências processuais.
Diário Económico | quinta-feira, 12 Maio 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário