A cerimónia solene de abertura do ano judicial usava ser um momento de reflexão e de balanço, o momento escolhido para perspectivar soluções e corrigir rumos, oportunidade para dirigir mensagens mais ou menos claras para dentro e para fora do sistema de administração da justiça.
Quem não se lembra de alguns discursos, lúcidos e empenhados, do então Presidente Jorge Sampaio com contributos importantes para abrir alguns caminhos no sentido das alterações legislativas que se seguiram?
O que fica da cerimónia de abertura do presente ano judicial é diferente: é a afirmação, a uma voz, de uma visão unânime de optimismo incontido no funcionamento das instituições, de confiança na justiça, com atribuição a outros de culpas que, por vezes, também são próprias na criação da imagem de uma Justiça em crise.
Mesmo quem seja adepto de consensos para resolver alguns problemas mais difíceis não pode deixar de reconhecer que as expectativas em torno das soluções que resultem da concordância dos dois maiores partidos no âmbito do acordo por eles celebrado para a área da Justiça e, aparentemente, sem a contribuição activa das várias classes profissionais, marcaram, condicionando-os, os discursos cautelosos e descomprometidos.
Suponho que estas mensagens para o exterior do sistema de administração da justiça tenham a sua utilidade.
Suponho que o conjunto dos cidadãos portugueses ficará mais confiante na Justiça que é administrada em seu nome quando o Sr. Procurador da República nos diz que os serviços do Ministério Público estão a cumprir com eficiência a sua missão e quando o Sr. Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal da Justiça nos reafirma que em termos de celeridade somos muito melhores do que os Tribunais de muitos países europeus mais desenvolvidos.
Quero crer que nada disto significa que não existe vontade de aperfeiçoar a administração da justiça.
Quero crer que magistrados, advogados e funcionários judiciais não se sentarão à espera do que o “Pacto da Justiça” lhes traga todas as soluções (e sempre as melhores soluções…) e que continuarão a defender e a procurar melhorar os parâmetros de qualidade do exercício da sua profissão.
Foi esse apelo ao investimento na qualidade, desde a formação de magistrados, advogados a funcionários judiciais à necessária reorganização judiciária e vigilância sobre a globalidade do sistema, o que extraí de útil no discurso do Sr. Presidente da República.
Preocupante, porém, ainda que não inteiramente surpreendente, é o voto de apoio incondicional a soluções que não são conhecidas.
Porque o “Pacto da Justiça” é só um princípio cujo desenvolvimento, nas suas várias vertentes, permanece uma incógnita…
1 comentário:
Neste blog, que agora muda em vertigem, já ontem tentara colocar um comentário que pelos vistos não entrou.
Para dizer da minha perspectiva geral semelhante à do autor do post. Também estranhei tanta sintonia nas expectativas fagueiras para 2007 quanto ao mundo da Justiça, mesmo por parte do Bastonário da Ordem dos Advogados.
O consenso é importante como atitute e pressuposto do diálogo, mas é evidente que o Pacto ou Acordo para a Justiça constituiu apenas um sinal. Espera-se que, para além de ter traduzido o Programa do Governo a que o PSD foi solicitado a aderir para que possam ser vencidas as últimas résteas do "corporativismo", possa levar a mudanças sensíveis no sistema de Justiça. Todavia, as medidas aí previstas não são suficientes e acima de tudo faltam alicerces para que se saia do rendilhado.
O Presidente da República pôs o dedo na avaliação permanente. Ninguém pedirá que se estime o impacto da lei de política criminal ou de medidas menores, mas muita gente esperará para saber dos resultados das alterações na acção executiva e dos passos dados na modernização dos tribunais – informática e telecomunicações - para não falar do aumento dos 10% da produtividade com a redução das férias judiciais.
Oxalá que a generalidade dos sistemas de videoconferência seja melhor do que o visto há dias num tribunal de capital de distrito. E que esteja desactualizada a visão de um magistrado do MP, publicada recentemente, em que se considera o estado actual da “técnica”, tendo em conta a degradação geral dos equipamentos e a falta de formação, um “factor de bloqueio e perda de produtividade”. O contrário do que se esperaria.
Parece essencial que esta avaliação seja realizada por uma entidade independente, credível para todos, e não daquelas que vive à sombra do OE.
Num ponto apenas não acompanho o ilustre autor do post: quando afirma da bondade das intervenções do anterior PR. A meu ver, o grande erro foi não ter acompanhado junto do Governo o que faziam das ideias que lançava. Por isso pouco ou nada ficou.
E porque o estilo e a eficácia do actual PR são diferentes é que tem mais importância saber se aquilo que apoia vai no bom sentido. Ora, por enquanto estamos em expectativas que muita gente vê em baixa e medidas avulsas, algumas obviamente com interesse, mas num ambiente pesado, que não se muda com um estalar de dedos.
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