terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Proposta de lei de mediação penal



Já se encontra acessível a proposta de lei de mediação penal (pode ser consultada aqui).

Tinha uma vez anunciado, a pretensão de tecer alguns comentários no Sine Die ao projecto então em discussão pública. Não o cheguei a fazer, por variadas razões, uma das quais foi a expectativa de que os múltiplos erros político-criminais e técnico-jurídicos determinassem a interrupção voluntária do processo e o receio de que a a absoluta discordância com o texto objecto de discussão pudesse ser confundida com qualquer oposição de princípio à mediação penal. No fundo, como referi num texto publicado noutro espaço:
«O movimento da Restorative Justice tem apresentado propostas incontornáveis de desformalização do processo e de criação de espaços de comunicação entre vítima e arguido, na área da pequena e média criminalidade. Na contraposição justiça negociada / justiça ritualizada e formalizada, os novos ventos parecem favoráveis ao primeiro dos modelos, até por ponderações pragmáticas, e dentro de certos parâmentros adequadas, de custo-benefício, no que também se revela uma salutar sensibilidade à necessidade de reparação da função simbólica do direito penal. O perigo que aqui espreita centra-se na circunstância de certos cantos de sereia poderem extravasar para uma estrita pretensão eficientista da justiça penal, já que se o Estado privatizar o conflito, não assumindo um juízo sobre a ocorrência do crime (bastando-se com o pedido ou a denúncia), nem, em contraponto, auscultando o lesado sobre a sua disponibilidade para a comunicação com o denunciado, desinteressando-se e deixando a situação operar de acordo com a estrita competência de acção dos envolvidos, então impõe-se que se assuma tal opção descriminalizando em vez de privatizar a justiça penal».

A proposta de lei, felizmente, nada tem a ver com o anteprojecto objecto de discussão pública (cuja autoria, já que estamos no nosso paroquial país, desconheço em absoluto pelo que o meu tom eventualmente excessivo não visa ninguém mas tão só um «produto» aberto à discussão) e compreendendo soluções naturalmente discutíveis situa-se num patamar que convida à discussão serena, já que se revela baseado em opções político criminais a que o Estado português se vinculou (aliás já vai um pouco atrasado, dado que por força do art. 10.º da Decisão-Quadro 2001/220 JAI deveria ter entrado em vigor «alguma» legislação até 22-3-2006) propondo soluções técnico-jurídicas fundamentadas e enquadradas no sistema jurídico-penal codificado.
Por ora, avançaria apenas quatro comentários críticos fruto de uma leitura apressada no quadro de uma concordância global com o sentido e o objectivo da proposta:
1) Quanto ao âmbito parece-me demasiado tímido já que, estando, e bem, eliminados os automatismos procedimentais do projecto, à partida não vejo obstáculo para uma previsão mais abrangente, compreendendo, pelo menos todos os crimes dependentes de queixa (no fundo em que o procedimento está dependente da vontade do titular do direito de queixa) e mesmo todos os crimes que podem ser objecto de suspensão provisória (no caso dos públicos teriam de se introduzir algumas variantes), pelo que, pelo menos, parece-me que seria dispensável o nº 3 do art. 2.º.
2) Parece-me indesejável a excepção à irretractabilidade da desistência de queixa (continuo a pensar que uma acusação criminal não deve ser reconhecida como uma «espada Dâmocles» formalmente legitimada para a coerção com vista ao cumprimento de acordos entre privados).
3) Apesar das más soluções então apontadas no anteprojecto, a ideia de uma possível articulação entre mediação penal e soluções de diversão, em particular a suspensão provisória do processo, parece-me que merecia ser explorada, o que não sucede nesta proposta (nem na proposta de revisão do Código de Processo Penal).
4) Não vejo motivo para o mediador ser convertido numa quarta instância de decisão (além do Ministério Público, arguido e ofendido), pelo que me parece não deve ter o poder de obstar à hipótese de mediação (em consequência defendo a eliminação da segunda parte do nº 3 do art. 3.º).

(Este postal foi publicado no Sine Die, mas pareceu-me que não seria uma evidente impertinência colocá-lo também no Cum Grano Salis, na medida em que sob o impulso do nosso administrador LC aqui continua em curso um fórum de discussão das reformas processuais).

1 comentário:

L.C. disse...

Impertinência? Nem pensar.
Excelente post. Oxalá o tema desperte a discussão que merece.