garantias de processo criminal
direito de recurso
recurso da matéria de facto
gravação da prova
Decisão: Não julga inconstitucionais as normas constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo de interposição de recurso penal em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se procedeu a gravação da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação.
Sumário:
I – O critério seguido na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade de normas relativas ao início do prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo penal, que deve, por regra, conter a respectiva motivação (ou ao início do prazo para apresentação da motivação do recurso, quando esta possa ser posterior à interposição, como sucede no caso de interposição, por simples declaração na acta, de recurso de decisão proferida em audiência), tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), actuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, actuando diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método de registo utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação magnetofónica ou audio‑visual).
II – Não viola o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o entendimento de que o prazo de interposição de recurso em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se procedeu a gravação magnetofónica da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação; na verdade, a transcrição tem por finalidade facilitar ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada, e já não habilitar o recorrente a elaborar a sua motivação, pois para este efeito lhe basta, para lá da assistência e intervenção em toda a audiência de julgamento e do conhecimento do teor integral da decisão condenatória, o acesso às gravações da prova produzida, sendo, aliás, em relação a estes suportes técnicos, e não à sua posterior transcrição, que devem ser feitas as especificações exigidas nas alínea b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Acórdão n.º 17/2006
Proc. n.º 383/2004
Data: 6 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres
pedido de aclaração
Decisão: Indefere pedido de aclaração.
Sumário:
O pedido de aclaração de decisões judiciais visa o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade de que a decisão aclaranda padeça (a decisão é obscura quando contém algum trecho cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes), sendo inadmissível a sua utilização para as partes manifestarem a sua discordância com a decisão e tentarem obter a sua alteração por supostamente ter incorrido em erro de julgamento.
Acórdão n.º 20/2006
Proc. n.º 570/2005
Data: 6 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres
remição obrigatória de pensões por acidentes de trabalho
direito à justa reparação de acidentes de trabalho
Decisão: Julga inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%.
Sumário:
I – Tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não afecta significativamente a continuação do desempenho da sua actividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
II – Porém, quando em causa estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta riscos.
III – Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.
IV – Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Acórdão n.º 58/2006
Proc. n.º 982/2005
Data: 18 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres
suspensão de execução fiscal
execução de dívidas de recursos próprios comunitários
direitos aduaneiros
princípio da igualdade
direito de acesso aos tribunais
garantias dos contribuintes
Decisão: Não julga inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que exclui a aplicação do disposto nesse artigo quanto à suspensão da execução fiscal quando se trate de “dívidas de recursos próprios comunitários”
Sumário:
I – A norma do n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que exclui a aplicação do disposto nesse artigo quanto à suspensão da execução fiscal quando se trate de “dívidas de recursos próprios comunitários”, encontra a sua fundamentação na necessidade de, estando em causa execução fiscal de dívidas de recursos próprios comunitários, designadamente direitos aduaneiros, acatar a regra, constitucionalmente aceite, da prevalência da regulamentação comunitária sobre o direito ordinário interno.
II – Esta regulamentação comunitária compreende, porém, a remissão para a legislação dos Estados membros, designadamente, quanto à designação da autoridade aduaneira competente para apreciar, numa primeira linha, o recurso das decisões ligadas à aplicação da legislação aduaneira, quer da instância (autoridade judiciária ou órgão especializado independente) competente para apreciar uma segunda linha desse recurso e sua tramitação (cf. artigos 243.º, n.º 2, e 245.º do Código Aduaneiro Comunitário).
III – Assim, apesar da inaplicabilidade directa do regime dos n.ºs 1 a 5 do artigo 169.º do CPPT à suspensão da execução das decisões aduaneiras, assiste ao interessado, caso a autoridade aduaneira competente não tome oficiosamente a iniciativa de o fazer, o direito de lhe requerer essa suspensão, em prazo não inferior aos prazos das impugnações administrativa ou contenciosa que no caso caibam, e a fixação de prazo para prestação da garantia (se não for dispensada), prestação de garantia esta que, no caso de já ter sido instaurada execução, tem o efeito imediato de a suspender; por outro lado, da eventual decisão da autoridade aduaneira de indeferimento desse pedido de suspensão cabe impugnação imediata para os tribunais tributários (uma vez que o recurso administrativo que no caso caiba terá natureza facultativa), no âmbito da qual pode ser salvaguardado o efeito útil do seu eventual provimento.
IV – Embora a competência do Tribunal Constitucional se cinja à apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, a tomada em consideração dos traços essenciais do sistema que, em substituição do regulado nos precedentes números desse preceito, é aplicável, por força desse n.º 6, à suspensão da execução das decisões aduaneiras, permite concluir que a parcial diferenciação de regimes assenta em fundamentação racional, que afasta a violação dos princípios da igualdade, da “coerência do sistema” e da não discriminação; e, por outro lado, que a imediata impugnabilidade judicial da decisão que indefira o pedido de suspensão da execução da decisão de imposição de direitos aduaneiros, com os efeitos atrás referidos, assegura o respeito dos direitos de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva, sem afronta aos princípios da proporcionalidade, da justiça e da equidade e sem intolerável postergação dos direitos e garantias dos contribuintes, como os consagrados nos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Acórdão n.º 60/2006
Proc. n.º 309/2005
Data: 18 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres
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