terça-feira, 17 de outubro de 2006

Discussão pública sobre a Justiça e não só


1. Há dias fui interpelado directamente sobre a discussão havida no último programa “Prós e Contras”, da RTP1, respeitante à Justiça, em conexão com a posse do novo Procurador-Geral da República, e que congregou sete convidados sob a coordenação de uma conhecida Jornalista.
A pessoa que me interrogava, não só a propósito dos temas mas sobre quem eram algumas das personalidades que intervieram e das dúvidas com que se deparava, era um funcionário de uma companhia de seguros, que considero muito eficiente e de conhecimentos gerais acima da média.
Fiquei surpreendido quando me afirmou que não tivera possibilidade de seguir a discussão, porque muitas vezes não a entendia e portanto se desinteressara de a acompanhar até ao fim.

Creio que esta observação merece ser reflectida.

Será que estes debates, na linguagem própria das profissões forenses, passarão do círculo daqueles que andam normalmente ligados aos tribunais? Ou acabam por se transformar em debates públicos de peritos entre si, que apenas são compreendidos por aqueles que “pertencem ao ramo”, na expressão do personagem de Umberto Eco?
Se for assim – como o meu interpelante me sugere – valerá a pena fazer um esforço para que uma parte significativa da população perceba as questões, desde logo usando uma linguagem clara e perceptível e explicando o raciocínio de modo a penetrar numa camada mais extensa que vá além dos “peritos”?
Com isto não se quer dizer que tais discussões sejam de todo inúteis, até porque nelas participam pessoas ligadas ao Poder e que são obrigadas a ouvir coisas em que não tinham pensado ou que haviam pensado mas chegaram a conclusões erradas ou discutíveis. Ponto é que o reconheçam.
O que então ficará em causa é o modelo usado, para não falar do papel da Jornalista, que sem dúvida se preparou lendo uma série de documentos cuja digestão nem sempre terá feito, até pela diversidade dos assuntos, intervém bastas vezes a despropósito ou introduz pontos sem interesse.
2. Interrompi este post e assisti ontem à maior parte do dito programa, desta feita sobre a revisão da Lei das Finanças Locais.

No final, perguntava-me de que serviu a acesa discussão, jornalistica e unilateralmente logo considerada um êxito?
Com base no que foi dito e sem a consulta/estudo do projecto não consigo aderir ou rebater o que defendem uns e outros. O que mais me impressionou, porém, foi ver que uma parte tão expressiva dos autarcas não concorda com matérias importantes, nomeadamente com os critérios de distribuição de verbas vindas do OE para as autarquias e do seu endividamento. Sendo que se abrigam sob o guarda-chuva da defesa dos interesses dos cidadãos que representam, o que resta demonstrar e pode ser demagógico – argumento que o Governo invoca, por maioria “qualificada” –, é certo que aí se encontram em coincidência personalidades de diversas posições ideológicas. Nem tudo se explicará pela simples razão de não quererem perder fundos para “fazer obra” (e nisso não haverá mal) porque a acreditar no Governo a generalidade vê-los-ia aumentados.
No entanto, retirei para mim desta discussão o seguinte: que deve ter feito (ou agravado) marcas profundas de hostilidade entre alguns, que não apenas de pontos de vista, salvo se estivermos perante "actores de carreira" que amanhã tudo esquecem, o que não joga com o comportamento do ser humano normal (os santos são poucos); que há professores neste país que não têm um mínimo de humildade e se comportam como se fossem “donos” do saber que discutivelmente exibem.

Em nome da discussão a favor e contra, a res publica ganha alguma coisa, ou este modelo deve ser revisto rapidamente? Não será que o “espectáculo” serve apenas para alimentar as claques e dar vazão a recalcamentos mesquinhos de cada um? Quer além quer aqui, creio que estaria na hora da reflexão da RTP1. Digo eu...

1 comentário:

josé disse...

Permito-me juntar um pequeno grão de sal:

Em relação a qualquer assunto do âmbito da polis, torna-se muito útil que quem os discuta perceba os vários parâmetros em que a discussão pode ocorrer.
Para tal, é essencial que quem discuta perceba a estrutura legal, organizacional e prática dos organismos envolvidos.
Para discutir os assuntos de Justiça, com um mínimo de propriedade e proficiência, e com objectivos construtivos, torna-se necessário que aqueles que intervêm, saibam como se organizam as instituições; que leis as fazem mexer e orientar; como é a aplicação prática dessas leis e as condicionantes que na mesma se apresentam e ter por isso uma visão de conjunto da lei de organização e funcionamento dos tribunais; da Constituição; das leis substantivas penais e civis e também as processuais.
Um prático do Direito sabe mais ou menos disto.
Estará por isso apto para uma discussão daquelas.
Mas ainda assim, pode faltar aquilo que aciam dizia: perceber os vários parâmetros em que a discussão pode ocorrer.
Assim, se aparece numa discussão televisiva, uma pessoa que pouco ou nada entende dessas leis e regulamentos, o máximo que poderemos esperar é uma epistemologia de um desentendimento.
Uns falam de alhos; outros percebem bugalhos. Uns falam de crise na Justiça e os outros concordam, mas enquanto uns vêem a crise numa causa precisa, outros vêem-na reflectida numa consequência concreta.

Perceber os parâmetros em que se pode mover este tipo de discussão num programa de tv, será próprio da inteligência da apresentadora...
Cada um que decida por si, se observa esta inteligência em movimento, durante os programas.