quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Casa da Suplicação LIX

Jurisprudência fixada - afastamento por parte dos tribunais judiciais - fundamentação - razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada
1 - A partir da reforma de 1998 do processo penal, os tribunais judiciais podem-se afastar da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, conquanto que fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (n.º 3 do art. 445.º do CPP).
2 – Mas, com essa norma não se quis seguramente referir o dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art.ºs 97.º, n.º 4, 374.º do CPP), antes postular um dever especial de fundamentação destinado a explicitar e explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.
3 – Quis então o legislador que o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada, pudesse gerar uma “fiscalização difusa” da jurisprudência uniformizada (art. 446.º, n.º 3 do CPP).
4 - Ora, as duas normas, que se ocupam da possibilidade de revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça da jurisprudência por si fixada, usam a mesma terminologia: haver “razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada” (art.ºs 446º, n.º 3 e 447.º, n.º 2, 1.ª parte do CPP), as únicas razões, pois, que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada.
5 - Isso sucederá, v.g. quando:
– o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;
– se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente,
– a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juizes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada.
7 - Mas seguramente não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do Supremo Tribunal de Justiça, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a “solução legal”.
Ac. do STJ de 26.01.2006, proc. n.º 181/06-5, Relator: Cons. Simas Santos


Decisão final de tribunal colectivo - recurso para a Relação - opção do recorrente - medida concreta da pena - matéria de direito
1 – Sobre a questão de saber qual o tribunal competente para conhecer do recurso da decisão final do tribunal colectivo em recurso que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, quando o recorrente se dirigiu à Relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça, definiram-se duas correntes no Supremo Tribunal de Justiça: uma entendendo que é então competente e outra entendendo que é válida a opção feita pelo recorrente.
2 – Esta última posição parte da consideração de que a Revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, não acolheu o entendimento de os recursos de decisões finais do tribunal colectivo restritos à matéria de direito têm de ser necessariamente dirigidos ao Supremo Tribunal de Justiça e por este conhecidos, por falecer competência para tal às Relações.
3 - Na verdade, a possibilidade de recurso directo para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito [al. d) do art. 432.º do CPP], não impede a Relação de conhecer dos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, restritos ao reexame de matéria de direito (no dizer do art. 411°, n.º 4 do CPP).
4 - Com a Revisão efectuada pela Lei n.º 59/98:
– Foi consagrado o recurso das decisões de 1.ª instância para a Relação como regime-regra, apenas com a excepção do recurso directo para o Supremo das decisões finais do Tribunal do Júri, excepção que não abrange o recurso per saltum para o STJ quando se impugnam decisões extraídas pelo tribunal colectivo (art. 427.º do CPP);
– Reconheceu-se o princípio de atribuir às Relações competência para conhecer dos recursos restritos à matéria de direito, mesmo que se trate de recursos de decisões finais do Tribunal Colectivo (cfr. art. 414, n.º 7 e 428.º, n.º 1 do CPP);
– Com o intuito de aproximação de tal regime com o que está concebido para o processo civil, significativo da ideia de harmonização de sistemas que se completam;
– Abriu-se um caminho processual que propicia a possibilidade de discussão, sem limites, dos vícios referidos no n.º 2 do art. 410.° do CPP, e viabiliza um efectivo 2° grau de recurso;
– Transferiu-se para a tramitação unitária (comum às Relações e ao Supremo), da disposição, anteriormente exclusiva deste último, que previa a possibilidade de alegações escritas nos recursos restritos à matéria de direito (anterior art. 434.°, n.º 1 e actual art. 411.º, n.º 4, do CPP).
– Consagrou-se o recurso per saltum das decisões finais do Tribunal Colectivo restrito à matéria de direito, como expediente impugnatório que, como o próprio nome indica, permite que se salte sobre o tribunal normalmente competente, o que pressupõe que o tribunal ultrapassado (no caso a Relação), tem também essa competência.
5 – Embora esteja muito divulgada a posição de que a questão da medida da pena, mesmo da medida concreta da pena é sempre exclusivamente de direito, tal não é exacto.
6 – Em matéria de medida concreta da pena, enquanto que ao STJ só assistem aqueles poderes de cognição, as Relações podem proceder a um reexame mais amplo, e eventualmente avaliar diversamente o significado da matéria de facto, quer em relação a cada parâmetro, quer em relação à imagem global do facto e da personalidade do agente, invadindo a margem de liberdade que, no nosso direito, assiste ao julgador na medida da pena e fixando, dentro dela, nova quantificação precisa, ou seja nova pena.
7 – Se o recorrente sustenta que se verificou erro de direito na decisão da 1.ª instância, mas também sustenta que ocorreu incorrecta valoração das atenuantes, coloca –se também no domínio do facto, o que vale por dizer que nem sequer se pode afirmar com firmeza que o recurso visa exclusivamente matéria de direito.
Ac. do STJ de 26.01.2006, proc. n.º 273/06-5, Relator. Cons. Simas Santos

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