1. A forte adesão à greve realizada por juízes e magistrados do Ministério Público nos dias 24 a 27 de Outubro foi, na minha leitura, um importante sinal de protesto contra uma política de afrontamento indiscriminado dos profissionais que exercem funções nos tribunais, podendo ter contribuído para a abertura do caminho à compreensão de que só pelo diálogo se podem mobilizar aqueles de quem depende o funcionamento do sistema de justiça para as profundas reformas de que necessita.
2. Contudo, no processo que acabou por conduzir à convocação da greve foram cometidos erros que não seria bom varrer para debaixo do tapete, até porque só identificando-os e debatendo-os será possível encarar o futuro de forma diferente.
3. Na minha perspectiva, foram quatro os erros cometidos pelo movimento associativo de magistrados: ter-se deixado fazer refém da agenda política do Governo, respondendo sempre e da forma por este esperada a cada nova acha que era lançada para alimentar o discurso do “combate aos privilégios”; a opção, desde início, por formas de reacção que sublinham o estatuto de funcionário dos magistrados; o menosprezo pela necessidade de esclarecimento dos cidadãos, tendo a comunicação sido desenvolvida quase exclusivamente para o ”interior do conflito”; e a secundarização da reflexão, debate e divulgação sobre o diagnóstico e as necessárias reformas da justiça.
4. Penso que, neste momento, há que continuar a procurar, pela via da negociação, o reequilíbrio possível entre estatuto sócio-profissional e deveres e incompatibilidades estatutários. Quanto ao Governo, seria a altura de, nesta matéria, avançar no cumprimento do seu programa, abrindo o debate sobre “a consagração do princípio da carreira plana dos magistrados judiciais e do Ministério Público, permitindo uma progressão profissional não condicionada pelo grau hierárquico dos tribunais e conferindo maior liberdade de escolha dos magistrados segundo critérios de competência e vocação profissional” (do programa do Governo para a área da justiça).
5. Mas o combate central deverá ser o da implementação das medidas necessárias à resolução dos problemas de funcionamento do sistema de justiça do ponto de vista da satisfação dos direitos dos cidadãos, que terá de ser também um exercício de autocrítica.
6. E parecem-me pertinentes os seguintes alertas: a crítica pública à prática judiciária não nos pode inibir de participar de pleno direito no debate sobre a justiça, nem a autocrítica deve transformar-se num auto-flagelo; a tentação de enfatizar factos marginais à actual política para o sector da justiça para a desacreditar pode ter efeitos contrários aos esperados; o enquistamento nas questões sócio-profissionais distrai as atenções da política de justiça propriamente dita e subestima a urgência da participação nesse debate.
7. Olhando para o sistema de justiça como cidadão e como magistrado do Ministério Público, entendo serem questões centrais que devem merecer atenção:
- O(s) processos(s) de ingresso na magistratura, o plano de formação desenvolvido pelo Centro de Estudos Judiciários, a formação contínua, a formação especializada e sua relação com a carreira profissional;
- A modernização do processo e dos métodos de trabalho e condições de funcionamento dos tribunais, associada a uma reorganização da estrutura judiciária e à qualificação e transparente gestão de recursos humanos;
- O funcionamento dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o cabal cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais;
- A lei de definição da política criminal e todas as questões respeitantes à sua filosofia e execução;
- A ponderação sobre as condições existentes e as necessárias para uma efectiva afirmação do interesse público na actividade judiciária, representado pelo Ministério Público, particularmente nas áreas penal e administrativa.
Este é o meu contributo para o debate que, após a greve, tem de ser organizado de forma ampla e participada.
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