segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Prisões? Nunca mais!

É o título que falta a este oportuno e esclarecedor post de Vasco Lobo Xavier, no Mar Salgado:

CONCEITOS: Há alguma dificuldade no tratamento de algumas questões às quais se atrelam determinados conceitos. As "férias dos juizes" é uma delas, como o leitor assíduo deste blog já terá reparado. Agora há uma nova, que é a "irresponsabilidade dos juizes".

Vou tentar explicar, desta vez sem recorrer às modalidades desportivas. Em primeiro lugar, atente-se no seguinte: se um juiz errar (grosseiramente, de forma evidente) na sua decisão, a vítima dela é hoje indemnizada, pelo Estado. O juiz será certamente penalizado pelo órgão fiscalizador (logo, não é irresponsável. Aliás, está já estabelecida a situação de dolo. Daí o problema de se utilizarem alguns conceitos para certas situações ou questões), mas não é ele, naturalmente, quem irá sofrer a obrigação de indemnizar monetariamente o lesado. Com isto, a sociedade organizada garante uma coisa essencial: garante que o juiz decide (bem ou mal, já lá iremos) de forma completamente independente, apenas valorando a prova que diante dele se faz. Repito, se errar, o Estado, a sociedade organizada paga a compensação devida, como acontece agora.

O que este governo socialista pretende neste momento é responsabilizar os juizes no caso de erro destes na avaliação da decisão de prisão preventiva. Serão os juizes - e já não a sociedade organizada - a indemnizar, em última análise, presos preventivamente que se venha a verificar terem sido erradamente detidos. Por outras palavras, os juizes apreciarão os casos que se lhes depararem não só tendo em consideração a prova que diante deles se produzir mas também o receio de um dia virem a ser processados e obrigados a pagar por terem decidido mal. Não será só uma questão disciplinar, de má nota; o juiz decidirá com medo do que lhe vier a acontecer no futuro.
Passarão, portanto, a decidir sendo partes interessadas no processo. O resultado é que mais nenhum juiz mandará ninguém para a prisão (Ó-lá-lá, vou-me agora chatear?.... Vem aí uma defesa mais elaborada para o julgamento ou depoimentos diferentes ou alterados ou ainda, justamente, demonstradores - agora! - de que o MP funcionou mal na acusação e eu é que me vou tramar? ? Isso é que era bom!).

Fulano é detido, presente ao juiz, realizam-se as acções necessárias e legais e, segundo todos os critérios, conclui-se que Fulano cumpre as disposições necessárias a uma prisão preventiva por fogo posto (para utilizar um tema actual e incandescente....), de onde resultaram inclusivamente mortes humanas. Pois o juiz irá mandar o suspeito em liberdade com medo de, mais tarde e com mais tempo, se vir a considerar provado que o dito estava noutro país com amigalhaços. Se falo de casos de fogo posto, pensem em casos de pedofilia, vai ser a mesma coisa.

Num país de criminosos, esta medida seria naturalmente aplaudida com entusiasmo.

Num país civilizado, esta atitude do governo socialista seria de imediato rechaçada por todos:
pela população em geral, porque isto afecta negativamente a sua vida e as decisões que lhe dizem respeito;
pela comunidade científica, porque isto afecta aquilo que têm defendido;
pela oposição democrática, porque isto afecta a democracia e a independência dos poderes;
pelos defensores da nossa Constituição, porque isto a afecta indubitavelmente, na mesma medida que impede a independência dos juizes,
por todos, enfim, porque a medida tem a carinha chapada e imberbe da vingança sobre a prisão preventiva que alguns tiveram ou a pressão inadmissível que o Governo quer colocar sobre o poder judicial.

Ora nós gostávamos mais da independência de poderes, ou já não será assim?

PS: voltarei certamente a este assunto.
[...]

Vasco Lobo Xavier, in Mar Salgado

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