segunda-feira, 8 de agosto de 2005

AS PRIORIDADES DA POLÍTICA CRIMINAL

Em face do actual contexto constitucional sobre as funções do Ministério Público (nº1 do artº 219º), entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal) e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias - escrevi-o em Setembro de 2004 (cfr. Revista do CEJ nº1).
Posteriormente, o programa do Governo passou a consignar que:
No plano da política criminal, a Assembleia da República, sob iniciativa do Governo, passará a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal, bem como as responsabilidades de execução dessa política, nomeadamente no que respeita ao Ministério Público, com base num novo quadro legislativo específico de desenvolvimento do artigo 219.º da Constituição.
Prevê-se que o Governo tome a iniciativa no último trimestre deste ano, pelo que urge o debate.
Recentemente, foi publicado O que é a política criminal, porque precisamos dela e como a podemos construir?
(no nº4º do ano 14 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal), no qual Paulo Pinto de Albuquerque aborda o tema.
Concordo parcialmente com ele quando afirma que "a política criminal deste país é definida de um de dois modos (...): ou é definida de um modo atomístico, por cada magistrado do Ministério Público no isolamento do seu gabinete, ou é definida em casos pontuais superiormente pelo Procurador-Geral da República através de directivas sem legitimidade democrática directa". Pois omitiu um terceiro modo: a gestão incontrolável da investigação e dos meios a ela afectos pelas polícias, que dependem hierarquicamente do executivo.
Concordo quando diz que "depois de definida pelos órgãos de soberania, a política criminal deve ser executada de modo uniforme pelos magistrados do Ministério Público, constituindo a subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público e a subordinação funcional dos órgãos de polícia ao Ministério Público os meios legais de garantir a execução uniforme da política criminal". E sublinho a imprescindibilidade da garantia dos mecanismos legais e meios de efectiva capacidade de direcção e fiscalização pelo Ministério Público da actividade funcional dos órgãos de polícia criminal, que tem vindo a ser fragilizada por sucessivas alterações legais e pelo desinvestimento.
Mas discordo completamente quanto à resposta que dá à pergunta "Que objecto deve ter a política criminal repressiva?":
"O âmbito destas directivas genéricas da AR deve incluir as seguintes matérias: os critérios de distinção entre os casos em que é o Ministério Público que dirige directamente o inquérito e em que delega essa competência em polícias, os critérios de determinação da urgência de processos, os critérios de determinação concreta do tribunal competente nos termos do artigo 16º nº3 do Código de Processo Penal, os critérios de selecção das medidas coactivas mais gravosas, os critérios de diversão no tratamento da qualidade participada (isto é, em que casos o Ministério Pùblico deve promover soluções extrajudiciais e, designadamente, em que tipos de crimes semi-públicos e particulares deve o Ministério Público promover esse tipo de soluções e em que tipos de crimes deve o Ministério Público promover a suspensão provisória do processo), o critério da escolha das formas processuais alternativas do processo e os critérios de escolha e individualização das penas (isto é, a definição de uma política de recurso criminal pelo Ministério Pùblico de decisões judiciais que profiram penas que superem os limites considerados nas directivas genéricas)".
Este elenco reduz a questão praticamente à esfera adjectiva e pretende colocar a Assembleia da República a aprovar uma espécie de regulamento da aplicação pelo Ministério Público do Código de Processo Penal, que "o procurador-geral da República converte[ria] em circulares internas". Teríamos, assim, permito-me o dichote, que cada magistrado do Ministério Público passaria a vir acompanhado do adequado "livro de instruções".
Não é isto o que diz o programa do Governo, que fala da definição, "de forma geral e abstracta, [d]as prioridades da política de investigação criminal". Portanto, espera-se um debate substantivo, necessariamente aberto pela sua importância à sociedade, que conduza à definição dos principais alvos da política criminal, à luz dos valores constitucionais, da análise da criminalidade e dos principais desafios da sociedade de hoje, e à objectivação dos meios imprencindíveis à sua boa execução.
Ao Ministério Público, enquanto responsável por esta execução, respeitado o seu estatuto de autonomia, cabe o "dever de prestar contas à comunidade".

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