sexta-feira, 8 de julho de 2005

Casa da Suplicação XLVI

Habeas Corpus — fundamentos — extradição — prazo de Entrega do extraditado
1 – O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido e que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão:
— a incompetência da entidade donde partiu a prisão;
— a motivação imprópria;
— o excesso de prazos.
2 – Para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido, como tem sido a jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Se o extraditado cumpria pena em Portugal, no decurso do processo de extradição, o prazo para entrega à Parte requerente só começa a contar depois de o mesmo ser colocado à ordem do processo de extradição, com tal finalidade.
Ac. de 07.07.2005 do STJ, proc. n.º 2551/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Nulidades — nulidade da sentença — trânsito em julgado
A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como não se declara a nulidade de actos dum processo que findou por decisão já tornada irrevogável.
Ac. de 07.07.2005 do STJ, proc. n.º 3992/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Extradição — ampliação do pedido inicial de extradição — apensação de processos — prazo de detenção do extraditando — Habeas corpus
1 - Ao decidir-se pela apensação de processos – que não incorporação – a Relação não pôs termo à autonomia do processo subsequente de ampliação, que, certamente, ficou apenas ligado ao primeiro por razões de mero pragmatismo processual. Mas cada qual com o seu processamento autónomo, como está previsto na Lei n.º 144/99, de 31/8, (art.º 16.º, n.º 5) e, de resto, não podia deixar de ser: se o processo inicial já estava decidido [ao que parece com trânsito em julgado da decisão de extradição], como consta da informação, então a instância respectiva findara já, pelo menos, quanto àquela decisão de extradição – art.º 287.º, a) do Código de Processo Civil – pelo que não faria qualquer sentido a pretendida e forçada unificação processual, com outro processo ainda a correr termos e sem decisão final.
2 - Sob o ponto de vista da Lei, e para o que ora importa, mais do que a processos, importa atender a factos. E se tais factos forem novos, independentemente do concreto processamento do caso, o certo é que tal circunstância justifica a formulação de um «novo pedido». «Pedido» este, que, sendo «apresentado e instruído nos termos do [presente] diploma», isto é, autonomamente, não pode deixar de convocar todas as demais circunstâncias inerentes ao processamento, designadamente prazos [autónomos] de detenção.
Ac. de 07.07.2005 do STJ, proc. n.º 2542/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Homicídio qualificado — especial censurabilidade — uso de arma proibida — reincidência
1 - Não é o simples uso de uma arma que torna automaticamente mais censurável a conduta do agente para efeitos de qualificar o homicídio. Para que tal meio possa ter-se como particularmente perigoso para este efeito é mister que o seu uso ou o processo de sua utilização dificultem significativamente a defesa da vítima e que criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes.
2 - No caso, o arguido, sem que nada o fizesse prever, nomeadamente a conversa telefónica que pouco tempo antes tivera com a vítima, surgiu de surpresa à porta desta, e, sem mais, quando esta, confiadamente, lhe abre a porta, dispara sobre ela a curta distância, a mortífera arma de canos serrados de que previamente e, para o efeito, se munira. Não é de valorizar isoladamente, para efeitos de qualificação do homicídio, o uso da arma mesmo proibida, que, em si, pouca diferença faria do uso de outra qualquer arma de fogo. Mas o uso dessa arma proibida de canos serrados, nas circunstâncias totalmente imprevisíveis ou de chofre em que ocorreu, impedindo desse modo o esboço, sequer, de qualquer reacção defensiva por parte da incauta vítima, assim como a possibilidade de o disparo para dentro de casa atingir outras pessoas e bens, são elementos que, no seu conjunto, colocam claramente a acção homicida sob a mira da «especial censurabilidade».
3 - É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento «não automático» – da reincidência.
4 – É de rejeitar uma concepção puramente «fáctica» da reincidência, que a fizesse resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais.
5 – É meramente conclusiva a afirmação desgarrada segundo a qual «a condenação anterior não serviu para desviar o arguido da prática do crime» e, por isso, insuficiente, sem prova de outros factos onde possa assentar, para suportar a agravação modificativa associada à reincidência.
Ac. de 07.07.2005 do STJ, proc. n.º 2314/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

1 comentário:

Simas Santos disse...

http://patologiasocial.blogspot.com/
O «benefício» do recurso de co-arguidos
Enfim jurisprudência que põe termo a um pesadelo, decorrente de um ilogismo legal. Nos termos do artigo 402º, n.º 2, alínea a) do CPP, o recurso interposto por um dos arguidos, salvo se fosse fundado em motivos estritamente pessoais, «aproveita aos restantes». Daqui derivava que o arguido não recorrente [por se haver conformado com a sentença] não via transitar em relação a si o aresto quando o mesmo tivesse sido recorrido por um co-arguido. Ou seja, em nome do eventual benefício aos comparticipantes não recorrentes, causava-se-lhes o prejuízo de ficarem meses a fio privados dos benefícios de que goza um condenado em cumprimento de pena [saídas precárias, liberdade condicional, etc.], pois continuavam em prisão preventiva até se decidirem os recursos que eventualmente lhes estenderiam as ditas hipotéticas vantagens. De nada valia o não recorrente consignar que renunciava a qualquer benefício emergente do recurso de co-arguido e mais e entendia que ao caso se não aplicava a separação de processos prevista no artigo 30º, n.º 1, alínea a) do CPP. Eis pois uma situação de injustiça que que agora deixa de existir, pois que, como sentenciou o Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 2546/05-5.ª secção, relator Santos Carvalho] «desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP). (...) O requerente está, assim, em cumprimento de pena e não em prisão preventiva». É de aplaudir, mas fica um aparte: até os tribunais terem aberto este caminho, ficou, a ensombrar a Justiça um cortejo de sofrimento e de revolta dos arguidos que se prejudicaram por actos que não eram seus e para os quais o sistema já não encontrou uma satisfação. Serão os danos colaterais da luta pelo Direito, vítimas individuais de que não curam as grandes princípios, mas no entanto, tal como nas guerras, choca pensar que a paz não chegou a tempo de evitar a morte àqueles que perderam a vida por uma causa que perdeu interesse.

posted by José António Barreiros