Tráfico de estupefacientes ─ menor gravidade (pressupostos) ─ medida da pena
1 - Não é de considerar como tráfico de menor gravidade a do arguido de quem se prova:
- Que durante três dias se dedicou, de manhã à noite, e no dia seguinte (4.º dia), de manhã até ao início da tarde (altura em que a actividade foi interrompida por acção policial), à venda de heroína e cocaína, divididas e acondicionadas em pequenas embalagens plásticas (doses individuais), ao preço unitário de 5 euros a heroína e 10 euros a cocaína, a consumidores que o procuravam;
- Que vendeu essas substâncias pessoalmente e também por intermédio de colaboradores, ascendendo essas vendas a várias dezenas de doses de heroína e cocaína;
- Que a um desses colaboradores, que era toxicodependente, fornecia heroína para consumo pessoal, como recompensa pela colaboração prestada.
- Que, aquando da intervenção policial, o tinha na sua posse a quantidade de 0,166 grs. de heroína (peso líquido, correspondente à diferença entre o peso bruto de 0,280 grs. e a tara de 0,114 grs.) e a quantia de 64, 75 euros, proveniente de vendas efectuadas, destinando-se a heroína a ser vendida;
- E antes desse evento, elementos policiais haviam já apreendido 1,166 grs. de heroína (peso líquido, correspondente à diferença entre o peso bruto de 2, 343 grs. e a tara de 1,177 grs.) de heroína, que o colaborador do recorrente A . tinha escondido junto a um balde de lixo e que era a quantidade remanescente daquela, incerta, que lhe fora entregue pelo arguido e que aquele A . vendera;
- Que o arguido não desempenhava qualquer actividade laboral, nem tinha outras fontes de rendimento lícitas, segundo a matéria provada, sendo certo que não se sabe se não tinha ocupação profissional por opção assumida, se por força das circunstâncias.
2 - A actividade do arguido caracteriza a de um traficante pouco sofisticado, vendendo na rua pequenas quantidades de cada vez (doses individuais), mas o volume dessas vendas alcançou já um nível significativo e revela uma certa organização no modo como soube e teve capacidade para se servir de colaboradores, pelo que se trata, caracterizadamente, de um tráfico normal, embora situado ao nível mais baixo da escala de comportamentos que podem caber no respectivo tipo legal.
3 - Por isso mesmo, está correcta uma pena correspondente ao limite mínimo da moldura penal.
Ac. de 12.04.2005 do STJ, proc. n.º 650/05-5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa
Acórdão do Tribunal Colectivo — recurso de matéria de facto — competência do Supremo Tribunal de Justiça
1 – Quando o recorrente contesta a matéria de facto apurada, quer à luz do princípio de livre convicção do juiz, quer invocando o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se está perante um recurso exclusivamente de direito [art.º 432.°, al. d) do CPP], cuja apreciação pertença ao Supremo Tribunal de Justiça, mas que é do conhecimento da Relação – art.ºs 427.º e 428.º do Código de Processo Penal., como tem vindo a entender uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Com efeito, a norma do corpo do art. 434.º do CPP só fixa os poderes de cognição do Supremo Tribunal em relação às decisões objecto de recurso referidas nas alíneas a), b) e c) do artigo 432.º, e não também às da alínea d), pois, em relação a estas, o âmbito do conhecimento é fixado na própria alínea, o que significa, que, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
3 – Nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, se terá sempre de dirigir-se à Relação.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 1261/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Mandato forense — revogação do mandato — prazo para a prática de actos processuais
1 - Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64.º, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só opera após a substituição respectiva. Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.
2 - Por isso, a revogação do mandato forense apresentada pelo arguido não suspendeu o prazo em curso para a interposição de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor, pois o advogado constituído não chegou a ser notificado e, portanto, mantiveram-se os efeitos daquele mandato que lhe havia sido regularmente conferido.
3 - É certo que o tribunal podia e devia ter sido lesto a notificar o mandatário da revogação, mas isso não exclui os deveres deontológicos e estatutários deste em representar o arguido no processo.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 1310/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
Motivação de recurso — repetição da motivação para a Relação — fundamentação — medida da pena —controlo no recurso de revista
1 – Quando a Relação nega provimento ao recurso, mantendo a decisão da 1.ª Instância ao não acolher a argumentação do recorrente, compreende-se que o recorrente retome as razões de crítica em relação ao acórdão do Tribunal Colectivo por entender que mantém validade essas razões, mas não pode esquecer que a decisão recorrida é a da Relação, pelo que deve ser essa a decisão a impugnar, demonstrando como e porque errou esse Tribunal Superior, ao não acolher a argumentação perante ele deduzida, o que tudo deve ser feito à luz da decisão recorrida e não da decisão da 1.ª Instância, sob pena de se estar perante falta de motivação do recurso, toda a vez que não é verdadeiramente impugnado o acórdão recorrido.
2 – Com efeito, quem recorre de uma decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça deve especificar os fundamentos desse recurso – como lhe impõe o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP –, e não reeditar a motivação apresentada no recurso para a Relação, esquecendo-se de desenvolver qualquer fundamento para alicerçar a sua discordância com o ali decidido, confundindo a motivação do recurso interposto para o STJ com a que apresentou perante o tribunal de 2ª instância, como se o acórdão da Relação não existisse. Não o fazendo, não existe impugnação relevante, o que implica a rejeição dos recursos nos termos dos art.ºs 412.º, n.° 1, 414.º, n.° 2, e 420.º, do CPP
3 – Se o recorrente invoca a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação suficiente, mas se dispensa de demonstrar essa afirmação, não pode desencadear a pretendida crítica pelo Supremo Tribunal de Justiça que não tem que (nem pode) desencadear uma qualquer expedição tendente a testar todas as modalidades possíveis de incumprimento daquele dever de fundamentação.
4 – O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
5 – Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença as funções:
– Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral;
– Permitir, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;
– Constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
6 – É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 657/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Correio de droga — tráfico de menor gravidade — medida da pena — pena de expulsão
1 – O privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
– Nos meios utilizados;
– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
2 – Se se trata de um «correio» de droga, por via aérea no interior do intestino, que introduziu no país 634,122 gramas de cocaína, nem a quantidade, nem a qualidade da substância, nem os meios utilizados e da modalidade ou das circunstâncias da acção permitem afirmar uma ilicitude consideravelmente diminuída.
3 – O mesmo se diga da circunstância de se tratar de um «correio», pois, diferentemente do que sucede com a culpa, o co-autor comparticipa na ilicitude da actividade de importação de droga a que aderiu.
4 – No caso, tendo o arguido agido com dolo eventual, estando arrependido e não tendo antecedentes criminais, aceita-se que a pena se situe em 4 anos e 6 meses de prisão.
5 – Tratando-se de um cidadão búlgaro, que já procurou emprego em Portugal e cujo país acabou de iniciar o processo de adesão à União Europeia, é mais adequado o período de 5 anos da pena acessória de expulsão.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 1272/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Reenvio — novo julgamento — tribunal competente — recurso — recusa de juiz
Se um tribunal se considera competente para proceder à repetição de um julgamento, por virtude de um reenvio e é interposto recurso dessa decisão, deve ser proferido despacho a admitir ou tal recurso, mesmo se logo depois da respectiva interposição foi apresentado um requerimento de recusa de 2 juízes do Tribunal Colectivo. O que não se pode é enviar o pedido de recusa para o Tribunal Superior com vista à sua apreciação, pois que depois do conhecimento do recurso sobre a competência do Tribunal é que se saberá se os juízes recusados o integrarão.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 1745/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Revisão de sentença — pressupostos — novos meios de prova — falsidade dos meios de prova — - injustiça da decisão — - inconciliabilidade de decisões — descoberta de novos factos ou meios de defesa.
1 - No ordenamento português a revisão opera, não uma reapreciação do anterior julgado, antes, uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, mas com base em novos dados de facto. Ou seja, versa sobre a questão de facto.
2 - Os fundamentos taxativos deste recurso extraordinário vêm enunciados no artigo 449.º do Código de Processo Penal e são apenas estes:
3 - Só poderão ser inquiridas testemunhas ainda não ouvidas no processo revidendo se for invocada pelo requerente a ignorância da sua existência ao tempo da decisão ou a impossibilidade de deporem nessa altura
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 1260/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Recursos — recurso para o STJ — penas aplicáveis até 5 anos — recurso da relação — juiz singular
1 - Estando em causa no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a responsabilidade do recorrente, apreciada em recurso pela relação, pela prática de um crime negligente de infracção de regras de construção, previsto e punido, conjugadamente, pelos art.ºs 277.º, n.º s 1, a), b), e 3 e 285º do Cod. Penal, cuja moldura penal vai até 3 anos de prisão ou multa, e, em caso de agravação, a prisão aplicável não ultrapassa o máximo de 5 anos, o caso cai na previsão do artigo 400.º, n.º 1, e), do Código de Processo Penal, pelo que não é admissível recurso. de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções (…).
2 - De resto, tratando-se de decisão proferida em 1.ª instância por juiz singular, a sua irrecorribilidade para o Mais Alto Tribunal já resultaria, nomeadamente, do disposto no artigo 432.º do mesmo diploma adjectivo, uma vez que ali e, no que respeita às decisões de 1.ª instância, só as colegiais se têm como recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 1285/05, Relator: Cons. Pereira Madeira
Recursos — objecto do recurso— limitação do recurso — resposta do Ministério Público
1 - Se o arguido recorrente, expressamente, limitou o objecto do seu recurso apenas e só à questão da saber se o prazo da pena suspensa de prisão deve ser reduzido, é processualmente descabida a tentativa do Ministério Público – não recorrente – alargar o objecto da discussão na sua resposta à motivação a tal recurso, a pretexto de só então se haver apercebido da existência, na sentença recorrida, de um alegado erro de direito.
2 – Nada impede que o prazo de suspensão da pena e o fixado para pagamento de uma indemnização ao ofendido, condicionante daquela pena de substituição, sejam distintos na sua duração, tendo em conta que os fins e os pressupostos de aplicação de cada uma daquelas medidas são inteiramente distintos.
Ac. de 12.05.2005 do STJ, proc. n.º 4448/04, Relator: Cons. Pereira Madeira
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