Segurança de transporte — atentado à segurança de transporte ferroviário — indemnização pelos danos — concorrência de culpas
1 - Tendo sido dado como assente que o recorrente, face à avaria no mecanismo das barreiras de protecção existentes na passagem de nível – avaria consistente em as ditas barreiras estarem descidas e, portanto, em posição de vedação da passagem de veículos que circulassem na estrada que cruzava com a linha férrea – decidiu atravessar esta com o veículo que conduzia, um veículo pesado, articulado, de mercadorias, com 15 metros de comprimento total, contornando as referidas barreiras, que eram só meias barreiras;
2 - Tendo ainda sido dado como provado que o recorrente previu como possível que a qualquer momento podia surgir um comboio, como efectivamente surgiu, cujo embate não poderia evitar - até porque a avaria tinha ocorrido havia cerca de 40 minutos e a probabilidade de tal acontecer aumentava com o tempo decorrido -, mas, apesar disso, confiando em que tal não aconteceria;
3 - Estão preenchidos todos os elementos que configuram o tipo legal de crime do art. 288.º, n.º 1, alínea d) e 2 do Código Penal.
4 - O recorrente não tinha nenhum direito de circular e prosseguir a sua marcha com as barreiras da passagem de nível fechadas, ainda que estas estivessem avariadas há um certo tempo, propiciando a formação de filas de carros em ambos os sentidos de circulação. Em caso de avaria, o único meio previsto e que, aliás, constava de aviso inscrito em sinal apropriado e visível a todos os condutores, era o de telefonar para o número de telefone que lá estava indicado e aguardar as instruções recebidas.
5 - O facto de outro condutor, do outro lado da passagem de nível, ou seja, circulando em sentido inverso ao do recorrente, tendo ultrapassado a fila de carros desse lado, se ter colocado na hemifaixa esquerda, considerando o seu sentido de marcha, e obstruído, com essa manobra, a saída do recorrente da passagem de nível, tendo-se mesmo recusado a recuar o seu veículo e assim possibilitando o choque do comboio no atrelado do veículo pesado do recorrente, não faz excluir a ilicitude do comportamento deste, cujo crime já se havia consumado, mas deveria ter determinado que esse condutor fosse também acusado da prática do mesmo crime.
6 - Na repartição de culpas e já no âmbito da responsabilidade civil, será de atribuir maior percentagem de culpas àqueles dois condutores e uma menor responsabilidade ao maquinista do comboio, que também agiu com culpa, pois, tendo sido avisado, na estação de caminho de ferro antes da passagem de nível, que esta estava avariada e desguarnecida de pessoal, surgiu no local a circular quase à velocidade máxima permitida, sendo que esse local, que ele conhecia bem, está situado entre curvas, uma delas, muito apertada e não permitindo ter uma visibilidade de grande alcance, precede a passagem de nível, motivo por que, travando logo que saiu da curva e deparou com o veículo pesado na linha, não conseguiu evitar a colisão ou, ao menos, moderar a força do embate.
7 - Consistindo a avaria no facto de as meias barreiras permanecerem na posição horizontal e, portanto, fechadas, o maquinista não tinha a obrigação de prever que os veículos- automóveis, nomeadamente um carro pesado articulado com reboque, fossem contornar essas barreiras e aventurarem-se a atravessar a passagem de nível. Tinha, porém, a obrigação de circular com mais cuidado do que o normal de forma a evitar qualquer acidente.
Acórdão de 5.05.2005 do STJ, proc. n.º 338/05–5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa
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