domingo, 3 de abril de 2005

João Paulo II e a sua morte



Ao ver a fixação das televisões em Roma e nas janelas dos aposentos papais, dei por mim a pensar na subida de Jesus Cristo ao Calvário, apupado pela populaça que o condenara de braço no ar, perante um Pilatos que hipocritamente lavava a mãos.
E pensava também neste “consumo” da comunicação dita social, cada um sempre a lutar por não perder um momento do que se diz “notícia”.

E pensava, quão longe a morte de Jesus, em humilhação e sofrimento, se distancia dos tempos modernos; e se o pretexto da transparência dos eventos ligados às figuras públicas não deixa lugar para a privacidade. Tenho para mim que a morte como encontro de cada um consigo próprio é um acto que se vive a solo, para os mais ditosos, com algum ou alguns dos seus amigos terrenos ao redor.

Temos o direito, concedemos ao direito de informar esta relevância que passa para primeiro plano a exposição do ser humano, nos momentos de maior intimidade, precisamente quando busca a dignidade de morrer?
É certo que estamos longe, nesta civilização cristã ocidental, de encarar a morte como uma libertação – que seria causa de serenidade e alegria.
Mas não devemos preservar o recato do fim de uma passagem pela terra, não deveria a Igreja de Cristo despir-se dos vários arminhos em que se deixa envolver, inclusivamente das solenes exéquias? Não se ignora o valor da simbologia – mas a questão é a da escolha dos símbolos mais significantes.

Suponhamos, por um momento, que Jesus dirigia in persona estes actos e os subsequentes – adoptaria este “espectáculo”? Ou, mesmo que isso fosse querido pelos próprios, não faria perpassar um manto de recolhimento e meditação sobre os restos mortais dos que transitaram pela glória efémera? Ou, mais próximo dos instintos do Homem, repetiria o episódio dos vendilhões do templo?

Reflexão excessiva para este lugar, dirão, mas talvez admissível por se pensar que aqui também se podem albergar desabafos, mais ou menos intimistas. Porque é da Intimidade que se trata e da sua protecção.

1 comentário:

L.C. disse...

Parabéns e obrigado pela reflexão proporcionada.