Em 11.10.04 coloquei aqui um post sobre o Código da Estrada e as novas coimas e vi com muito interesse um artigo sobre este tema, que não resisto a trazer aqui:
«No próximo mês de Janeiro, entrará em vigor o novo Código da Estrada, que prevê, entre outras medidas, o agravamento de penalidades aplicáveis a diversas infracções, bem como a obrigatoriedade do seu pagamento imediato em certas circunstâncias. Desde a condução sob a influência do álcool ao excesso de velocidade, até ao vulgar estacionamento sobre os passeios ou sobre passadeiras de peões, vício já internalizado na conduta de milhares de automobilistas, o campo de actuação disciplinadora do novo Código será vasto. Muito embora seja de esperar uma deficiente implementação desta nova legislação, quer devido a uma actuação policial tipicamente fraca, quer devido a um sistema judicial muito pouco eficaz, devemos aplaudir as novas medidas adoptadas. Será importante acompanhar a evolução futura dos vários tipos de infracções ao novo Código, em particular da sinistralidade rodoviária em Portugal, de forma a se poder aferir da eficácia destas medidas. O elevado número de acidentes rodoviários que ocorrem diariamente nas estradas portuguesas, e não obstante uma tendência descendente que se tem verificado recentemente, revela um tipo de comportamento anti-social que contrasta com os relativamente baixos índices de violência verificados fora das estradas. A explicação para a elevada sinistralidade rodoviária vai muito para além da deficiente qualidade de várias estradas nacionais. Revelará não só uma má preparação inicial dos condutores - para quando uma reforma das escolas de condução? - como uma incapacidade, ou resistência, à aceitação de certas regras de conduta social, facilitada pela ineficaz implementação destas. O agravamento das penalidades proposto pelo novo Código, pode, no entanto, ser interpretado como o reconhecimento da pouco eficaz actuação policial em Portugal, talvez sem paralelo no resto da Europa dos 15. De facto, a teoria económica informa-nos que o efeito dissuasor resultante de um agravamento das penalidades, monetárias ou outras, por comportamentos anti-sociais, é tipicamente superior ao efeito dissuasor resultante de um aumento da probabilidade de detecção e punição dos infractores. Mais concretamente, dado que os potenciais prevaricadores são, na sua maioria, avessos ao risco, um determinado aumento do valor da penalidade associada a uma dada infracção de um código de conduta (e.g., o Código da Estrada), provoca uma redução na utilidade (esperada) do infractor, que é maior do que a redução da utilidade (esperada) deste, resultante de um aumento da probabilidade de detecção e punição. Isto assumindo que ambas estas medidas resultam numa mesma penalidade (esperada), monetária ou monetarizável, sobre o infractor. Acresce que o investimento que o Estado teria que fazer para conseguir um aumento da probabilidade de detecção e punição de infractores, via aumento da vigilância policial e da eficácia do sistema judicial, é tipicamente superior ao investimento necessário à concretização de um agravamento das multas e outras penalidades (mesmo incluindo a prisão de infractores) com equivalente efeito dissuasor. No entanto, uma sociedade moderna impõe limites à gravidade das medidas punitivas por comportamentos anti-sociais, já que se procura manter uma proporcionalidade entre gravidade da infracção e respectiva punição. Assim, a dissuasão de comportamentos infractores acaba, inevitavelmente, por ser função não só da eficácia da actuação policial e judicial, como da 'eficácia' no processo de socialização de comportamentos, aos quais se associa, no caso da condução automóvel, a qualidade do sistema de atribuição de carta de condução.
Finalmente, seria desejável uma mais eficaz punição dos automobilistas que circulam sem o seguro automóvel obrigatório. Segundo o jornal PÚBLICO, cerca de 16.500 automobilistas em 2003, ou seja, uma média de 50 por dia, foram autuados nas estradas portuguesas por não possuírem esse seguro. Neste mesmo ano, foram gastos cerca de 25 milhões de euros de dinheiros públicos em indemnizações, por danos infligidos a terceiros por automobilistas sem seguro. Este montante foi pago através do denominado Fundo de Garantia Automóvel, formado pelas contribuições dos automobilistas segurados. Tudo isto significa que os automobilistas cumpridores subsidiam há muito os infractores. Estes, ou boa parte deles, conhecendo a situação, reagem duma forma 'racional', ou seja, optam por conduzir o seu automóvel privado sem seguro, numa ponderação de custos e benefícios. Ora, esta forma de subsídio indirecto ao automobilista prevaricador, é totalmente inaceitável. Seria importante que medidas penalizantes, preconizadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, como a apreensão imediata de carta e de viatura ao automobilista não segurado, com um agravamento muito significativo das respectivas coimas, fossem implementadas com o novo Código. Quanto aos prevaricadores, seriam naturalmente desviados para o uso dos vários transportes públicos que, aliás, têm sofrido, nos últimos anos, um declínio preocupante no seu número de utentes.
Em síntese, o funcionamento de uma sociedade avalia-se, em boa parte, pela sua definição do que constitui um comportamento anti-social, e pela forma como este tipo de comportamento é sancionado. No que concerne ao comportamento de automobilistas, a sociedade portuguesa tem falhado, num misto de complacência e de incapacidade de actuação. Não é fácil estimar a gravidade que este falhanço representa.
JOÃO E. GATA, Público/Economia, 22 de Novembro de 2004
Finalmente, seria desejável uma mais eficaz punição dos automobilistas que circulam sem o seguro automóvel obrigatório. Segundo o jornal PÚBLICO, cerca de 16.500 automobilistas em 2003, ou seja, uma média de 50 por dia, foram autuados nas estradas portuguesas por não possuírem esse seguro. Neste mesmo ano, foram gastos cerca de 25 milhões de euros de dinheiros públicos em indemnizações, por danos infligidos a terceiros por automobilistas sem seguro. Este montante foi pago através do denominado Fundo de Garantia Automóvel, formado pelas contribuições dos automobilistas segurados. Tudo isto significa que os automobilistas cumpridores subsidiam há muito os infractores. Estes, ou boa parte deles, conhecendo a situação, reagem duma forma 'racional', ou seja, optam por conduzir o seu automóvel privado sem seguro, numa ponderação de custos e benefícios. Ora, esta forma de subsídio indirecto ao automobilista prevaricador, é totalmente inaceitável. Seria importante que medidas penalizantes, preconizadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, como a apreensão imediata de carta e de viatura ao automobilista não segurado, com um agravamento muito significativo das respectivas coimas, fossem implementadas com o novo Código. Quanto aos prevaricadores, seriam naturalmente desviados para o uso dos vários transportes públicos que, aliás, têm sofrido, nos últimos anos, um declínio preocupante no seu número de utentes.
Em síntese, o funcionamento de uma sociedade avalia-se, em boa parte, pela sua definição do que constitui um comportamento anti-social, e pela forma como este tipo de comportamento é sancionado. No que concerne ao comportamento de automobilistas, a sociedade portuguesa tem falhado, num misto de complacência e de incapacidade de actuação. Não é fácil estimar a gravidade que este falhanço representa.
JOÃO E. GATA, Público/Economia, 22 de Novembro de 2004
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