domingo, 4 de agosto de 2013

Necessidades financeiras do Estado poderão baixar para metade em 2014

Fundo de estabilização da Segurança Social vai comprar quatro mil milhões de euros em títulos da dívida, o que poderá reduzir para metade as necessidades de financiamento do Estado em 2014
SEGURANÇA SOCIAL
Seguro dos pensionistas depende da saúde financeira do Estado
Foi um dos últimos despachos de Vítor Gaspar, mas pode ter efeitos a longo prazo. A saúde financeira do fundo de estabilização da Segurança Social passou a ser indissociável da saúde financeira do Estado
Sérgio Aníbal
Imagine que o Estado português entra em falência, deixa de pagar aos seus credores, declara um default e fica com dificuldades em fazer face a despesas como os salários dos funcionários públicos ou as pensões. Os reformados esperam poder contar com o recurso ao Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social que, com mais 10.000 milhões de euros, tinha sido criado exactamente para fazer face a situações de ruptura no sistema de Segurança Social. Mas não. O fundo tinha investido quase todo o seu dinheiro em títulos de dívida pública portuguesa, agora sem qualquer valor, e não consegue, no momento em que é realmente preciso, cumprir a sua função.
Este é o cenário extremo que antevêem aqueles que, nas últimas semanas, mais têm criticado a decisão do Governo de dar instruções ao FEFSS para comprar mais títulos de dívida pública portugueses, passando este activo a ter um peso no portefólio do fundo de 90%, contra os cerca de 55% actuais.
“Desta maneira, quando o fundo for preciso, ele fica descapitalizado, não se segura um risco desta maneira. Isto é um verdadeiro anti-swap”, afirma António Bagão Félix, ex-ministro das Finanças e da Segurança Social, defendendo ainda que “a partir do momento em que tem 90% dos activos em dívida pública portuguesa, deixa de fazer sentido o fundo de estabilização, mais vale entregar tudo ao IGCP [entidade que gere a dívida pública portuguesa]“.
A decisão de aumentar a exposição do FEFSS à dívida pública foi anunciada pela troika no relatório da sétima avaliação ao programa português e foi confirmada por um despacho conjunto dos ministros das Finanças e da Segurança Social, assinado no último dia de Vítor Gaspar no cargo. Nesse despacho explica-se que o fundo irá, até 2015, vender os activos estrangeiros que detém e comprar títulos de dívida pública portuguesa, num valor próximo de 4000 milhões de euros. Fonte oficial do Ministério da Segurança Social explica que as razões para esta decisão estão “nas actuais condições de rentabilidade da dívida pública estrangeira” e no facto de “esse investimento visar contribuir para assegurar a sustentabilidade da dívida pública portuguesa, como consta do relatório da 7.ª avaliação do Programa de Assistência Económica e Financeira, uma das condições para o sucesso do programa ajustamento”. A mesma fonte assinala ainda que “esta decisão está em linha com a gestão de fundos semelhantes, como o exemplo espanhol”.
O ministério não respondeu às questões do PÚBLICO em que se perguntava se o risco assumido pelo fundo não poderia ser agora maior e se o fundo tinha garantido algum tipo de protecção especial contra um eventual default da República Portuguesa.
A decisão tem sido, nas últimas semanas, alvo de críticas de vários economistas, de todos os quadrantes políticos. “É uma medida que me faz lembrar um jogador de casino que, enfrentando perdas, arrisca tudo para recuperar as perdas. É uma medida desesperada de alguém que coloca todas as ‘fichas’ no regresso aos mercados, não olhando a custos. E quando falhar esse regresso ao mercado, então não é só o Estado que entra em incumprimento da dívida, é a viabilidade do sistema de pensões pública que é posta em causa”, afirma Ricardo Cabral, professor na Universidade da Madeira.
O economista Nuno Teles diz que “a julgar pelo exemplo da reestruturação grega, o fundo da segurança social arrisca-se a enormes perdas neste cenário”, já que, “se este financiamento for feito através dos mercados, na forma de Obrigações do Tesouro, seria legalmente difícil poupar o fundo de uma reestruturação”. Esta alteração no fundo fez ainda subir de tom as dúvidas em relação à utilidade da própria existência do FEFSS. Nuno Teles defende que “os ganhos no longo prazo não só são incertos como também pouco significativos enquanto mecanismo de compensação num hipotético cenário de insustentabilidade da Segurança Social”, afirmando que “os excedentes devem ser investidos por forma a criar uma economia mais próspera e solidária, que permita uma vida decente aos presentes e futuros reformados”.
Vítor Bento, que desde há vários anos questiona a lógica de existência do fundo, escreveu num artigo de opinião recente no Diário Económico que “cada euro de poupança que a Segurança Social coloque no fundo tem equivalente imediato num euro de dívida adicional emitida pelo Estado. (…) O Estado Português, em sentido lato, acaba assim por se endividar para financiar o Estado alemão, a IBM, a Microsoft, ou seja lá o que for onde o chamado fundo invista o seu dinheiro”.
Apesar das críticas feitas nas últimas semanas, antes da decisão, a questão foi debatida pelo conselho consultivo do instituto que gere o FEFSS e a decisão mereceu a aprovação dos representantes de todos os parceiros sociais, com a excepção da CGTP.
Rafael Campos Pereira, o representante da CIP, explica porquê. “O Estado encontra-se numa situação complicada e há este fundo que pode financiar o Estado a taxas razoáveis. É interessante para o Tesouro e para o fundo”, afirma, lembrando que “nos últimos dois anos o sistema de segurança social foi deficitário e o Orçamento do Estado cobriu essas perdas, não se foi buscar dinheiro ao fundo”.
A este argumento do apoio do Fundo ao Estado, os mais críticos respondem com o objectivo inicial do FEFSS. “As contribuições foram pagas pelos empregadores e trabalhadores e não são do Estado. Estão meramente a ser geridas pelo Estado. Os gestores do FEFSS, bem como os governantes que definem os critérios para gestão desse fundo, têm responsabilidades – o chamado dever fiduciário – pela boa gestão dos activos desse fundo em representação dos proprietários desses activos, os actuais e futuros pensionistas”, afirma Ricardo Cabral.

Público, 4 Agosto 2013

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