A confusão é imputável ao Parlamento, que se recusou a clarificar o
sentido da lei.
Correio
da Manhã: 18 de Agosto
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
A Lei nº 46/2005, que proíbe a
eleição de presidentes de câmaras municipais e de juntas de freguesia para mais
de três mandatos consecutivos, tem sido objeto de interpretações diversas dos
tribunais. A situação é muito grave porque, em vésperas das eleições
autárquicas, ainda não se sabe ao certo quais serão os candidatos à eleição em
vários casos.
A ambiguidade resulta do próprio texto constitucional. O nº 2 do artigo 118º, introduzido na Revisão de 2004, prevê que a lei pode determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos. Ao concretizar esta previsão quanto a presidentes de câmaras e de juntas, a lei tornou-a mais ambígua, em vez de a tentar clarificar.
Os presidentes que cumpriram três mandatos consecutivos estão impedidos de se recandidatar só na mesma autarquia ou em qualquer outra de idêntica natureza? Para começar, há duas redações diferentes da mesma norma legal. A aprovada, que tem servido de argumento à interpretação restritiva, refere "presidentes da"; a publicada fala em "presidentes de"…
Os tribunais estão totalmente inocentes neste caso. A confusão é imputável ao Parlamento, que se recusou a clarificar, quando podia, o sentido da lei, remetendo para o poder judicial uma responsabilidade que era sua. Deste modo, uma lei que pretendia impedir a perpetuação de esquemas clientelares acaba por contribuir para o descrédito do regime demo-crático.
Mas é aos tribunais (e, em última instância, ao Tribunal Constitucional, ao qual compete julgar os recursos em matéria de contencioso eleitoral) que cabe agora desfazer este "nó". Exige-se celeridade e uniformidade nas decisões. Seria inaceitável que vingassem, por exemplo, interpretações opostas na aceitação das candidaturas às Câmaras de Lisboa e do Porto.
De acordo com os ideais de transparência democrática, a inelegibilidade em qualquer autarquia – e não apenas naquela em que o autarca cumpriu três mandatos consecutivos – parece ser a melhor solução. Porém, nem a letra da lei nem os trabalhos preparatórios permitem uma resposta inequívoca e ambas as soluções são constitucionalmente admissíveis.
No contencioso eleitoral, o Tribunal Constitucional não julga só a inconstitucionalidade de normas, competindo-lhe determinar a interpretação mais correta. Ora, na ausência de intenção parlamentar clara, deve prevalecer a interpretação menos restritiva de direitos, que admitirá a candidatura dos presidentes de câmara e de junta a uma nova autarquia.
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