domingo, 11 de agosto de 2013

Juros da dívida não desceram com fim da crise política

A dívida portuguesa continuou sob pressão dos investidores no princípio de agosto, ao contrário do que se passou com os restantes países "periféricos" da zona euro.

Jorge Nascimento Rodrigues

Os investidores internacionais na dívida soberana continuam a olhar Portugal de um modo distinto da forma como avaliam o resto dos países "periféricos" da zona euro, apesar de afastada a possibilidade de uma rutura na coligação governamental ou de convocação próxima de eleições legislativas antecipadas.
Enquanto, nos primeiro sete dias úteis de agosto, nos restantes países "periféricos" da zona euro, as rentabilidades das obrigações de longo prazo desceram no mercado secundário da dívida, em Portugal não sucedeu o mesmo.
Depois de uma recuperação temporária recuando para níveis anteriores à crise governamental de julho, as yields das obrigações do Tesouro português (OT) a dez anos regressaram a valores acima de 6,5%, segundo dados da investing.com. Antes dos pedidos de demissão dos ministros Vítor Gaspar e Paulo Portas, as yields das OT naquele prazo fecharam o mês de junho em 6,46%. Desde 2 de agosto que estão em níveis superiores a 6,5%. Fecharam a semana em 6,57%, com oscilações intradiárias, com máximos perto de 6,7%.
As yields no prazo a dez anos desceram do pico mensal de 7,52% atingido a 12 de julho, quando o impacto da crise governamental se fez sentir mais seriamente no mercado secundário da dívida na sequência da proposta de acordo de "salvação nacional" pelo presidente da República. Mas, estão muito longe dos níveis de maio, próximos de 5%, que permitiram a 7 de maio o regresso aos mercados obrigacionistas com uma emissão sindicada a dez anos de 3000 milhões de euros, em que a taxa média paga pelo IGCP foi de 5,669%.
A evolução negativa foi mais acentuada nas yields das OT a cinco anos; subiram de 5,55% a 28 de junho, antes da crise governamental, para 6,09% a 9 de agosto. Uma subida de mais de meio ponto percentual. Recorde-se que a 23 de janeiro, o IGCP procedeu a uma emissão sindicada de dívida a cinco anos no valor de 2500 milhões de euros, em que a taxa média paga foi de 4,891%.

Dificuldade no regresso às emissões obrigacionistas

 O facto de os juros da dívida portuguesa de médio e longo prazo se manterem no mercado secundário mais de um ponto percentual acima do nível de janeiro (para a maturidade a cinco anos) e quase um ponto percentual acima do nível de maio (para a maturidade a dez anos) sinaliza a dificuldade do IGCP, a agência de gestão da dívida soberana, regressar ao mercado primário com emissões obrigacionistas.
O prémio de risco da dívida portuguesa em relação à dívida alemã subiu de 4,27 pontos percentuais a 7 de maio (quando ocorreu a emissão obrigacionista a dez anos) para 4,67 no final de junho, atingindo um pico de 5,96 a 12 de julho durante a crise governamental, segundo dados da datosmacro.com. No entanto, a descida posterior não trouxe o diferencial no custo do financiamento da dívida portuguesa para valores anteriores à crise governamental. O prémio de risco regista atualmente valores próximos de 4,9 pontos percentuais.
A probabilidade de incumprimento da dívida portuguesa num horizonte de cinco anos subiu de 30,37% a 28 de junho para 31,95% a 9 de agosto. Portugal mantém-se na 9ª posição entre as 10 economias com maior risco de bancarrota, segundo dados da S&P Capital IQ.
A revista britânica "The Economist" na edição deste sábado, analisando a situação da dívida soberana dos três países da zona euro resgatados (Grécia, Irlanda e Portugal), concluiu que "os mercados não acreditam que Portugal evite algum tipo de segundo resgate".

Descida nos restantes "periféricos"

 Numa trajetória distinta, as yields das obrigações eslovenas, espanholas, gregas, irlandesas e italianas no prazo a dez anos registaram no mercado secundário descidas desde o final de junho.
O caso mais significativo é o da Grécia, com uma descida de 11,2% a 28 de junho para 9,75% a 9 de agosto. No caso de Itália, a descida foi de 4,56% para 4,19%; no caso da Eslovénia, de 6,77% para 6,44%; no caso de Espanha, de 4,79% para 4,49%; e no caso da Irlanda de 4,11% para 3,86%.
Apesar do caso Bárcenas em Espanha e do risco de crise governamental em Itália, em virtude da confirmação da condenação de Sílvio Berlusconi, cujo partido é um dos sustentáculos da coligação governamental, os investidores têm continuado a acorrer às emissões de dívida soberana em Madrid e Roma aceitando remunerações mais baixas do que em emissões similares anteriores. Na Grécia, a coligação governamental entre a direita e os socialistas conseguiu fazer passar no Parlamento a legislação relativa às exigências feitas pela troika, apesar da sua maioria parlamentar ser cada vez mais tangencial.
Os investidores parecem considerar que, por ora, o risco político baixou nestes três países e que o risco de "fadiga da austeridade" está contido.
Riscos globais
Na próxima semana, o Eurostat divulgará a estimativa preliminar para o andamento da atividade económica na zona euro durante o segundo trimestre. A previsão anual é que a zona euro tenha uma recessão ligeira em 2013 de 0,6%, mas aguardam-se os resultados do segundo trimestre para avaliar se o crescimento entre abril e junho foi positivo. O Instituto Nacional de Estatística divulgará, também, as suas estimativas preliminares para a evolução da economia portuguesa.
O Fundo Monetário Internacional, na sua análise das cinco economias "sistémicas" do mundo, publicada este mês, chamou à atenção para a importância de monitorizar o andamento da recessão na zona euro (se ocorrerá inversão de trajetória do PIB ou não ao longo deste ano) e o risco de deflação (quebra do índice de preços) e de eventos extremos (tail riscs) motivados pela "fadiga da austeridade" em alguns países "periféricos".
O analista Marc Chandler, de Wall Street, sublinha alguns sinais positivos, nos fluxos internacionais de capitais, favoráveis à Europa: fundos norte-americanos aumentaram a sua exposição a títulos bolsistas da banca europeia; os gestores internacionais de fundos redirecionaram algumas aplicações para títulos da dívida e títulos bolsistas europeus; e alguma atividade de aquisições parece indicar entradas líquidas de investimento direto na Europa.
À escala mundial, o maior risco derivará de como a Reserva Federal norte-americana (Fed), chefiada até final de janeiro de 2014 por Ben Bernanke, irá proceder ao já anunciado abrandamento e conclusão da política monetária não-convencional de "estímulos". O programa de injeção mensal de liquidez, através da compra de ativos, é tecnicamente conhecido pela designação de quantitative easing e popularmente pelo acrónimo QE. A forma como a Fed vai proceder a essa transição gradual afetará o comportamento dos mercados financeiros.
Variações na explicação por parte de membros da Fed do quando e do como acontecerá esse processo de descontinuação do QE norte-americano e especulações sobre quem vai presidir e qual vai ser a nova composição da direção da Fed têm gerado enorme volatilidade desde maio no mercado da dívida mundial e nas bolsas de vários países.
As yields da dívida norte-americana a dez anos subiram de 1,62% a 2 de maio para 2,6% ultimamente. Mas o impacto mais elevado ocorreu em dois periféricos da zona euro - Grécia e Portugal - e em três economias emergentes, o Brasil, a Indonésia e a Turquia, como sublinhou o FMI no já referido relatório sobre as grandes economias "sistémicas". Em suma, aqueles cinco países são os mais "sensíveis" ao que se passe em matéria de política monetária em Washington DC.

Versão ampliada e atualizada de artigo publicado na edição impressa de 10 de agosto.


Expresso, 11 Agosto 2013

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