A dívida portuguesa continuou
sob pressão dos investidores no princípio de agosto, ao contrário do que se
passou com os restantes países "periféricos" da zona euro.
Jorge Nascimento Rodrigues
Os
investidores internacionais na dívida soberana continuam a olhar Portugal de um
modo distinto da forma como avaliam o resto dos países "periféricos"
da zona euro, apesar de afastada a possibilidade de uma rutura na coligação
governamental ou de convocação próxima de eleições legislativas antecipadas.
Enquanto, nos primeiro sete
dias úteis de agosto, nos restantes países "periféricos" da zona
euro, as rentabilidades das obrigações de longo prazo desceram no mercado
secundário da dívida, em Portugal não sucedeu o mesmo.
Depois de uma recuperação
temporária recuando para níveis anteriores à crise governamental de julho, as yields das
obrigações do Tesouro português (OT) a dez anos regressaram a valores acima de
6,5%, segundo dados da investing.com. Antes dos pedidos de demissão dos
ministros Vítor Gaspar e Paulo Portas, as yields das OT naquele prazo
fecharam o mês de junho em 6,46%. Desde 2 de agosto que estão em níveis
superiores a 6,5%. Fecharam a semana em 6,57%, com oscilações intradiárias, com
máximos perto de 6,7%.
As yields no prazo a
dez anos desceram do pico mensal de 7,52% atingido a 12 de julho, quando o
impacto da crise governamental se fez sentir mais seriamente no mercado
secundário da dívida na sequência da proposta de acordo de "salvação
nacional" pelo presidente da República. Mas, estão muito longe dos níveis
de maio, próximos de 5%, que permitiram a 7 de maio o regresso aos mercados
obrigacionistas com uma emissão sindicada a dez anos de 3000 milhões de euros,
em que a taxa média paga pelo IGCP foi de 5,669%.
A evolução negativa foi mais
acentuada nas yields das OT a cinco anos; subiram de 5,55% a 28 de
junho, antes da crise governamental, para 6,09% a 9 de agosto. Uma subida de
mais de meio ponto percentual. Recorde-se que a 23 de janeiro, o IGCP procedeu
a uma emissão sindicada de dívida a cinco anos no valor de 2500 milhões de
euros, em que a taxa média paga foi de 4,891%.
Dificuldade no regresso às emissões obrigacionistas
O facto de os juros da dívida
portuguesa de médio e longo prazo se manterem no mercado secundário mais de um
ponto percentual acima do nível de janeiro (para a maturidade a cinco anos) e
quase um ponto percentual acima do nível de maio (para a maturidade a dez anos)
sinaliza a dificuldade do IGCP, a agência de gestão da dívida soberana,
regressar ao mercado primário com emissões obrigacionistas.
O prémio de risco da dívida
portuguesa em relação à dívida alemã subiu de 4,27 pontos percentuais a 7 de
maio (quando ocorreu a emissão obrigacionista a dez anos) para 4,67 no final de
junho, atingindo um pico de 5,96 a 12 de julho durante a crise governamental,
segundo dados da datosmacro.com. No entanto, a descida posterior não trouxe o
diferencial no custo do financiamento da dívida portuguesa para valores
anteriores à crise governamental. O prémio de risco regista atualmente valores
próximos de 4,9 pontos percentuais.
A probabilidade de
incumprimento da dívida portuguesa num horizonte de cinco anos subiu de 30,37%
a 28 de junho para 31,95% a 9 de agosto. Portugal mantém-se na 9ª posição entre
as 10 economias com maior risco de bancarrota, segundo dados da S&P Capital
IQ.
A revista britânica "The
Economist" na edição deste sábado, analisando a situação da dívida
soberana dos três países da zona euro resgatados (Grécia, Irlanda e Portugal),
concluiu que "os mercados não acreditam que Portugal evite algum tipo de
segundo resgate".
Descida nos restantes "periféricos"
Numa trajetória distinta, as yields das
obrigações eslovenas, espanholas, gregas, irlandesas e italianas no prazo a dez
anos registaram no mercado secundário descidas desde o final de junho.
O caso mais significativo é o
da Grécia, com uma descida de 11,2% a 28 de junho para 9,75% a 9 de agosto. No
caso de Itália, a descida foi de 4,56% para 4,19%; no caso da Eslovénia, de
6,77% para 6,44%; no caso de Espanha, de 4,79% para 4,49%; e no caso da Irlanda
de 4,11% para 3,86%.
Apesar do caso Bárcenas em
Espanha e do risco de crise governamental em Itália, em virtude da confirmação
da condenação de Sílvio Berlusconi, cujo partido é um dos sustentáculos da
coligação governamental, os investidores têm continuado a acorrer às emissões
de dívida soberana em Madrid e Roma aceitando remunerações mais baixas do que
em emissões similares anteriores. Na Grécia, a coligação governamental entre a
direita e os socialistas conseguiu fazer passar no Parlamento a legislação
relativa às exigências feitas pela troika, apesar da sua maioria
parlamentar ser cada vez mais tangencial.
Os investidores parecem
considerar que, por ora, o risco político baixou nestes três países e que o
risco de "fadiga da austeridade" está contido.
Riscos globais
Na próxima semana, o Eurostat
divulgará a estimativa preliminar para o andamento da atividade económica na
zona euro durante o segundo trimestre. A previsão anual é que a zona euro tenha
uma recessão ligeira em 2013 de 0,6%, mas aguardam-se os resultados do segundo
trimestre para avaliar se o crescimento entre abril e junho foi positivo. O
Instituto Nacional de Estatística divulgará, também, as suas estimativas
preliminares para a evolução da economia portuguesa.
O Fundo Monetário Internacional,
na sua análise das cinco economias "sistémicas" do mundo, publicada
este mês, chamou à atenção para a importância de monitorizar o andamento da
recessão na zona euro (se ocorrerá inversão de trajetória do PIB ou não ao
longo deste ano) e o risco de deflação (quebra do índice de preços) e de
eventos extremos (tail riscs) motivados pela "fadiga da austeridade"
em alguns países "periféricos".
O analista Marc Chandler, de
Wall Street, sublinha alguns sinais positivos, nos fluxos internacionais de
capitais, favoráveis à Europa: fundos norte-americanos aumentaram a sua
exposição a títulos bolsistas da banca europeia; os gestores internacionais de fundos
redirecionaram algumas aplicações para títulos da dívida e títulos bolsistas
europeus; e alguma atividade de aquisições parece indicar entradas líquidas de
investimento direto na Europa.
À escala mundial, o maior risco
derivará de como a Reserva Federal norte-americana (Fed), chefiada até final de
janeiro de 2014 por Ben Bernanke, irá proceder ao já anunciado abrandamento e
conclusão da política monetária não-convencional de "estímulos". O
programa de injeção mensal de liquidez, através da compra de ativos, é
tecnicamente conhecido pela designação de quantitative easing e
popularmente pelo acrónimo QE. A forma como a Fed vai proceder a essa transição
gradual afetará o comportamento dos mercados financeiros.
Variações na explicação por
parte de membros da Fed do quando e do como acontecerá esse processo de
descontinuação do QE norte-americano e especulações sobre quem vai presidir e
qual vai ser a nova composição da direção da Fed têm gerado enorme volatilidade
desde maio no mercado da dívida mundial e nas bolsas de vários países.
As yields da dívida
norte-americana a dez anos subiram de 1,62% a 2 de maio para 2,6% ultimamente.
Mas o impacto mais elevado ocorreu em dois periféricos da zona euro - Grécia e
Portugal - e em três economias emergentes, o Brasil, a Indonésia e a Turquia,
como sublinhou o FMI no já referido relatório sobre as grandes economias
"sistémicas". Em suma, aqueles cinco países são os mais
"sensíveis" ao que se passe em matéria de política monetária em
Washington DC.
Versão ampliada e atualizada de
artigo publicado na edição impressa de 10 de agosto.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/juros-da-divida-nao-desceram-com-fim-da-crise-politica=f825543#ixzz2bhUz7yEK
Expresso, 11 Agosto 2013
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