por JOÃO MARCELINO
1-Não é preciso estar muito atento para perceber que o Governo português mudou de discurso. Acabado o autoritarismo, consumido pela crise, foi aberta a época de caça ao "consenso", fruto do insucesso produzido pela austeridade. Do "nem mais tempo nem mais dinheiro" passámos ao momento em que Pedro Passos Coelho admite pedir (já pediu...) pela terceira vez novas metas, mais tempo para o ajustamento. E todos sabemos que se a troika sair em julho alguém (no BCE, na Comissão Europeia?) vai ter de nos emprestar dinheiro mais barato do que aquele que o mercado nos "oferece". Essa segunda intervenção, com ou sem memorando, está escrita nas estrelas do pós-troika.
2-A realidade aconselharia, por isso, que o Governo tivesse uma estratégia global de negociação internacional, digna, discutida com todos os partidos que acreditam na Europa, explicitada aos cidadãos. Mas não é esse o caminho escolhido. Mais uma vez, a comunicação governamental pretende ignorar o enorme falhanço dos últimos dois anos. Não se cumpriu um plano, não se alcançou uma meta. O défice, apesar dos esforços, manteve-se indomável e a dívida cresceu. Mas enquanto a hipocrisia europeia ainda admite algum mea culpa antes do próximo Conselho, que pode mudar a estratégia de combate à crise, em Portugal o silêncio é de ouro. O Governo entenderá, talvez, que estas matérias não estão ao alcance dos espíritos nacionais. Vale a pena manter a ignorância dentro de portas até porque ela permitirá aparecer sem condições perante os dirigentes europeus que mandam.
Já conheci esta estratégia noutros domínios sociais. É apenas seguidismo e provincianismo. Mas eles não sabem.
3-O Governo tem feito, portanto, por merecer a contestação crescente, a desconfiança dos cidadãos, mesmo a falta de crédito que lhe é concedido por uma parte significativa do PSD, pelos vários desencontros entre os dois parceiros de coligação ou pelas promessas eleitorais não cumpridas.
Perante este quadro o que se precisa é de estratégias alternativas, confiáveis para a maioria das pessoas. E neste campo as coisas não mudam. O encontro das esquerdas, dinamizado por Mário Soares, constituiu-se como uma cerimónia que não permite antecipar nada de positivo ou de substancialmente diferente. Estamos ainda e sempre no domínio da crítica, das palavras. Ora, esse caminho está feito, não precisa de mais contributos. O que falta saber - até a Cavaco Silva - é: qual a alternativa? E sendo que o PS é a chave deste rotativismo que temos, a restante esquerda só tem de dizer que pontes está disposta a lançar para sair dos confortáveis terrenos da contestação pela contestação em que desde sempre se refugiou. Ora, nada disto foi dito. Pelo contrário, o radicalismo do que se ouviu só atrapalha o PS (obviamente Seguro passou ao lado do incómodo conclave) e a ação do Presidente da República. Mesmo o Governo só pode agradecer. É que, assim, esta aliança entre a esquerda do passado e um ou outro ressabiado do presente mete medo. Mete mesmo.
O ministro das Finanças, na sua corrida pela humanização da imagem, confessou-se agora um benfiquista sofredor que pede respeito pelo calvário futebolístico do clube nas últimas semanas.Técnico? Tecnocrata? Vítor Gaspar é um político. E sabe o suficiente - ou seja, muito.
Diário de Notícias, 1-6-2013
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