terça-feira, 7 de maio de 2013

Ministério Público - Procuradoria-Geral da República


Proc. n.º 39/2012

Contratos de aquisição de energia — CAE — Setor elétrico nacional — Serviço público — Centros electroprodutores — Mercado livre — Concorrência — Liberação do setor elétrico — Cessação dos contratos de aquisição de energia — Ajustamentos anuais — Custos de manutenção do equilíbrio contratual — CMEC — Consumidores — Tarifa de uso global do sistema — Tarifa social — Princípio do inquisitório — Homologação — Revogação — Direito de propriedade — Princípio da segurança jurídica — Princípio da confiança.

IX

Pelo exposto, formulam -se as seguintes conclusões:

1.ª — Os contratos de aquisição de energia (CAE), previstos no artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 182/95, de 27 de julho, caracterizam -se por serem contratos de longo prazo através dos quais os produtores vinculados ao serviço público da energia se comprometeram a abastecer, em exclusivo, a entidade concessionária da rede nacional de transporte (RNT), vendendo -lhe toda a energia produzida nos respetivos centros electroprodutores;

2.ª — Integrados num regime de produção vinculada de energia elétrica, os CAE baseiam -se nas condições previamente acordadas entre as partes outorgantes — electroprodutores e concessionária da RNT — e não nas condições decorrentes de um mercado livre e concorrencial;

3.ª — Nesses contratos são reconhecidos tanto os proveitos expectáveis dos produtores como as compensações a que as partes têm direito em caso de incumprimento, alteração ou rescisão por motivos que não lhes sejam imputáveis, remunerando -se, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 182/95, os custos ou encargos fixos (encargos de potência) dos centros electroprodutores, permitindo -se ainda recuperar os custos ou encargos variáveis de produção de energia elétrica pelo empreendimento;

4.ª — No âmbito das orientações de política energética aprovadas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2003, foi adotada a necessidade de liberalizar o mercado com eficiência, através, designadamente, da concretização do mercado ibérico de eletricidade (MIBEL) e da promoção da concorrência no setor da energia, constituindo a extinção dos CAE uma das medidas para a implementação de um verdadeiro mercado de eletricidade;

5.ª — O Decreto -Lei n.º 185/2003, de 20 de agosto, estabeleceu as disposições aplicáveis à cessação dos contratos de aquisição de energia elétrica, prevendo no seu artigo 13.º, n.os 2 e 3 que essa cessação implica 
a adoção de medidas indemnizatórias, tendo em vista o ressarcimento dos direitos dos produtores através de um mecanismo destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) os quais deverão garantir a compensação dos investimentos realizados e a cobertura dos compromissos assumidos nos CAE que não sejam garantidos pelas receitas expectáveis em regime de mercado;

6.ª — O Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 52/2004, de 29 de outubro, contempla as disposições aplicáveis à cessação antecipada dos CAE, estabelecendo no seu artigo 2.º, n.º 2, que a cessação antecipada dos CAE determina a atribuição a um dos seus titulares (produtor ou entidade concessionária da RNT) do direito ao recebimento de compensações pela cessação antecipada de tais contratos as quais têm o intuito de garantir a obtenção de benefícios económicos equivalentes aos proporcionados pelos contratos anteriores, que não estejam devidamente garantidos através das receitas esperadas em regime de mercado;

7.ª — As regras aplicáveis à determinação do montante dos CMEC estão enunciadas no artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 240/2004, respeitando-se no respetivo cálculo a metodologia e parâmetros definidos no artigo 4.º do mesmo diploma, devendo, nomeadamente, considerar -se as disposições contratuais dos CAE para a determinação do seu valor;

8.ª — A avaliação que servirá de cálculo dos CMEC reporta -se à data da cessação antecipada de cada CAE, sendo, pois, com referência a essa data que se determinará o valor dos contratos, o montante das receitas expectáveis e o valor dos encargos variáveis de exploração;

9.ª — O artigo 3.º, n.º 5, do Decreto -Lei n.º 240/2004 contempla ainda um mecanismo de revisibilidade dos CMEC através da possibilidade de ajustamentos anuais e de um ajustamento final, por forma a assegurar a obtenção de benefícios económicos equivalentes aos proporcionados pelos CAE;

10.ª — Os ajustamentos anuais são efetuados durante o prazo correspondente ao período de atividade de cada centro electroprodutor previsto no respetivo CAE, com o limite de dez anos após a data da cessação antecipada do CAE, sendo os valores dos ajustamentos efetuados com observância das regras definidas no n.º 6 do artigo 3.º daquele diploma e com base nos critérios constantes dos artigos 4.º a 6.º do seu anexo I;

11.ª — No caso de os ajustamentos anuais conduzirem à determinação de montantes devidos aos produtores — ajustamentos positivos —, o respetivo valor será repercutido nas tarifas pela totalidade dos consumidores de energia elétrica no território nacional, constituindo encargos respeitantes ao uso global do sistema a incorporar como componentes permanentes da tarifa de uso global do sistema (UGS (artigo 5.º, n.os 1 e 2, do Decreto -Lei n.º 240/2004);

12.ª — O artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 240/2004 contempla disposições sobre o procedimento a adotar no âmbito da revisibilidade das compensações, visando o apuramento dos ajustamentos anuais aos montantes das compensações pela cessação antecipada dos CAE que devam ter lugar, estabelecendo que compete à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), proceder à determinação dos valores desses ajustamentos anuais, tendo por base os dados fornecidos pelos próprios produtores, pela entidade concessionária da RNT e pelas entidades que desenvolvam a atividade de distribuição de energia, a comparação de todos os custos e proveitos do centro electroprodutor cujo ajustamento deve ser determinado com todos os custos e proveitos, em igual período, de outros centros electroprodutores de tecnologia equivalente na propriedade ou posse do mesmo produtor e outros dados ou elementos que, no decurso do procedimento, sejam recolhidos;

13.ª — Efetuada a determinação do respetivo valor, os ajustamentos anuais serão enviados ao membro do Governo responsável pela área de energia para efeitos de homologação, conforme dispõe o n.º 7 do artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 240/2004;

14.ª — O procedimento instrutório previsto no citado artigo 11.º não assume natureza especial, devendo convocar -se neste âmbito o princípio do inquisitório consagrado no artigo 56.º do Código do Procedimento 
Administrativo (CPA), nos termos do qual os órgãos administrativos podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, tendo em vista a descoberta da verdade e ponderação de todas 
as dimensões de interesses públicos e privados, que se liguem com a decisão a produzir;

15.ª — A determinação da disponibilidade, cujo coeficiente constitui um dos fatores a considerar no cálculo do montante do ajustamento anual afeto à compensação devida pela cessação antecipada dos CAE, não tem de se basear exclusivamente nas declarações de disponibilidade dos centros electroprodutores, devendo resultar de todo o conjunto de diligências instrutórias, quer das previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, quer daquelas que a entidade instrutora considere necessárias para a sua exata verificação;

16.ª — O despacho homologatório do montante do ajustamento do valor dos CMEC relativo ao ano de 2011 configura a prática de ato administrativo, o que não impede, porém, a sua revogação com fundamento 
na sua eventual invalidade, caso se apure a existência de vício que o torne anulável (artigo 135.º do CPA), a operar dentro do prazo que o artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) estabelece para a impugnação de atos anuláveis, sem prejuízo da declaração da nulidade, não dependente de prazo (artigo 134.º do CPA), caso se verifique um vício gerador desse tipo de invalidade;

17.ª — A tarifa social de fornecimento de energia elétrica, criada pelo Decreto -Lei n.º 138 -A/2010, de 28 de dezembro constitui uma medida de política social de proteção dos consumidores economicamente vulneráveis, configurando -se como uma obrigação de serviço público na linha das orientações europeias presentes, nomeadamente, na Diretiva n.º 2009/72/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, que estabelece regras comuns para o mercado interno de eletricidade, orientações, aliás, já presentes na Diretiva n.º 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho;

18.ª — A tarifa social é determinada mediante a aplicação de um desconto na tarifa de acesso às redes em baixa tensão normal, sendo o valor desse desconto determinado pela ERSE;

19.ª — Nos termos do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 138 -A/2010, o financiamento dos custos com a aplicação da tarifa social incide sobre todos os titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, na proporção da potência instalada de cada centro electroprodutor, sendo esses custos devidos à entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Elétrica (RNT), enquanto operador do sistema;

20.ª — Os custos com o financiamento da tarifa social suportados pelos centros electroprodutores partes de contratos de aquisição de energia (CAE) não devem constituir fator atendível para efeitos de apuramento 
do valor dos ajustamentos anuais aos montantes das compensações devidas pela cessação antecipada desses contratos para que não possam ser repercutidos nos consumidores de energia elétrica;

21.ª — De igual forma, os encargos com o pagamento pelos titulares de centros electroprodutores de contratos de aquisição de energia (CAE) que ainda subsistem dos custos com o financiamento da tarifa social devem ser inteiramente suportados por esses titulares;

22.ª — A não consideração dos custos com o financiamento da tarifa social no cálculo dos CMEC radica em razões de interesse geral e não ofende o direito de propriedade privada nem os princípios da segurança jurídica e da confiança ínsitos no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República.

Este parecer foi votado na Sessão do Conselho Consultivo da 

Procuradoria-Geral da República, de 21 de março de 2013.

Adriano Fraxenete de Chuquere Gonçalves da Cunha — Manuel Pereira Augusto de Matos (Relator) — Fernando Bento — Maria Manuela Flores Ferreira — Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita — Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão.

Este parecer foi homologado por despacho de 12 de abril de 2013, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Energia.

Está conforme.

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