segunda-feira, 8 de abril de 2013

Ainda há Justiça em Portugal

MÁRIO SOARES 
08/04/2013 - 00:00 [Público]
O Tribunal Constitucional devolvendo à procedência, pela segunda vez, os Orçamentos feitos, sem critério, por Vitor Gaspar, deu um exemplo de independência, que se deve salientar. Perante um Governo sem regras nem qualquer estratégia que não seja obedecer à troika e aos mercados usurários que a comandam.
E agora? É mais um grande sarilho que devia levar o Governo a demitir-se - como a esmagadora maioria dos portugueses e o ministro das Finanças parece também querer. Contudo, o Presidente da República, tão silencioso até sábado último, resolveu, ao que dizem, "obrigá-lo" a ficar no seu posto. Para continuar, seguramente, o despesismo que o caracteriza e a fazer asneiras e vendas desastrosas e a destruir o país. Julga, assim, agradar cegamente aos mercados e à troika, o que não é certo que aconteça. Bem pelo contrário... Porque os mercados já perceberam que ignorando o Povo e empobrecendo-o a ponto de ficar à fome e ao suicídio - e sem o ouvir minimamente - só com uma Democracia, que já não o é inteiramente, é impossível manter o Estado, sem grandes e graves convulsões sociais. Até Salazar o disse no final da II Guerra Mundial: "Não se pode governar contra a vontade persistente de um Povo"...
O presidente Cavaco Silva não o compreendeu assim. Entendendo, no seu alto critério, que não há crise política nem social nem ética. Porque o Governo ainda tem maioria, com um CDS/PP a dizer ora sim, ora não, sempre até agora, no essencial, dizendo sim, apesar das humilhações que Portas tem sofrido. E quanto ao Povo - e todas as sondagens, que lhe dizem respeito, são péssimas - ignora-as, apesar de baixíssimas, e ainda, naturalmente, desde sábado à noite, vão ser piores, como parece provável. Pobre Povo e tristes governantes!
O alarme na imprensa americana e europeia não esconde o descontentamento geral. Sabem perfeitamente que um Tribunal Constitucional em Democracia deve ser respeitado, como sucede por toda a parte. E não deve ser pressionado - como sucedeu descaradamente com o nosso - pelos Governos ou por quem quer que seja.
Felicito, assim, o Tribunal Constitucional, pela corajosa atitude que teve, não aceitando pressões, fossem quais fossem. Foi um ensinamento para uma justiça que frequentemente não julga os ricos e poderosos e deixa andar à solta os arguidos desde que tenham influência política ou sejam milionários em virtude das corrupções organizadas. Honra seja pois ao belo exemplo do Tribunal Constitucional e ao seu ilustre presidente, Joaquim Sousa Ribeiro, que com tanta serenidade e inteligência falou aos jornalistas que o interrogaram.
As próximas semanas vão ser curiosas de seguir. Porque Vitor Gaspar quer mesmo demitir-se, porque sabe bem que nada pode fazer sem dinheiro e desde agora com um mal-estar maior e mais exigente dos mercados e da troika. O Fundo Monetário Internacional (FMI) já declarou não estar nada contente com o que se passa em Lisboa. Mas há manifestamente mesmo dentro do Governo quem se queira demitir: Portas, obviamente, mas tem medo das chantagens que lhe possam fazer; Vitor Gaspar, como disse na última reunião do Governo; o ministro da Saúde, que não suporta mais as exigências do Governo; o ministro da Educação, que deve pensar também em abandonar um Governo, quando está a ser obrigado a destruir as excelentes universidades que temos, por falta de dinheiro, bem como o ensino infantil, especial e superior; e claramente os ministros do CDS/PP, que sairão quando Portas sair. Sem esquecer a ministra da Justiça, que já declarou publicamente querer sair.
Cavaco Silva julga que não há crise política, social, nem ambiental (do que se esqueceu de falar) nem ética. Sugiro-lhe que vá a Boliqueime e pergunte ao Povo, que conhece bem, se não há crise. Política, Social, Ética (com a corrupção generalizada) e Ambiental. Oiça os agricultores e os pescadores. Eles lhe dirão o que pensam deste Governo.
Depois reclama consensos. Com o PS, só se o líder do PS (e a sua equipa) fossem doidos. E garanto-lhe - porque é o que conheço melhor - o líder, António José Seguro, não é e sabe o que quer. Que consenso com um Governo que só injuriou o PS, desde o início do seu mandato?
As próximas semanas vão ser divertidas para alguns e insuportáveis para a grande maioria dos portugueses. Mas que o Governo deixou de existir, deixou. E quanto mais tarde os responsáveis reconheçam isso e desistam, tanto pior para eles...
Lisboa, 8 de Abril de 2013

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