Público - 30/04/2013 - 00:00
Pensar na relação entre a Justiça
e os media conduz de imediato a reflectir sobre a questão de saber de que forma
é que a Justiça e os media se influenciam. E, de outro lado, se tal influência
é uma realidade indiscutível nos dois sentidos.
Por um lado, parece
razoável aceitar que a Justiça influencia osmedia. Influencia-os quando
estes têm como função retratar o país, o que significa que o chamado
"estado da Justiça" e os chamados "casos mediáticos" são
matéria processual sempre interessante para os articulados de um jornalista.
Isto é, são temas que constituem conteúdo de notícia que um jornalista
considera de interesse público, sendo submetidos à esfera mediática que tantas
vezes hiperboliza os factos com o intuito de captar a atenção de um público que
fica refém de uma percepção desvirtuada da realidade.
Nessa medida, a Justiça
condiciona a agenda e o acesso à informação que molda a opinião pública dos
factos. Algo que não é, em si, negativo quando serve um princípio de interesse
público. É a forma de "espetáculo" que nos deve suscitar alguma
preocupação e sobre a qual devemos ter um olhar crítico. Mas assumindo aqui uma
posição neutra, sobre o desígnio que cada parte prossegue, que a cada um
compete o seu trabalho e que a ambos pertence respeitar a deontologia pela qual
devem pautar a sua actuação, centremo-nos na questão interna: quando a raiz do
problema na relação media-Justiça
reside nos próprios operadores judiciários.
São estes que, muitas das
vezes, dão azo a um grave incumprimento dos deveres legais a que estão
adstritos. Assim, não podemos restringir o problema à cobertura mediática dos
processos criminais cobertos por segredo de justiça em fase de inquérito ou
quando não estejam, nos casos previstos no Código de Processo Penal, como
práticas expressamente vedadas aos órgãos de comunicação social. Enquanto
profissionais de Justiça, deve-nos preocupar em primeiro lugar a outra face da
questão: de que forma é que a Justiça utiliza osmedia na prática da sua actividade?
Ao abordar esta questão,
existe alguma dificuldade, aqui confessada, em fugir ao âmbito do Processo
Penal, pois este é o principal foco dos meios de comunicação em matéria de
Justiça. Vejam-se, por exemplo, os casos em que os responsáveis pela
administração da Justiça tendem a impor medidas de coação desproporcionais à
gravidade do crime, precisamente em virtude da pressão exercida pelo peso da
opinião pública. Ou quando nem sequer se encontram preenchidos os requisitos
gerais de aplicação de tais medidas. Ora, se os media são os guardiões da informação pública
que forma da sobredita opinião, parece também indubitável que os media influenciam a prática da Justiça. E é
este ponto que deverá merecer maior atenção.
A Justiça deve ser imune a
este tipo de pressão. Ou, melhor dizendo, deve sê-lo o mais possível.
Naturalmente, deveria ser a qualquer tipo de pressão. A Justiça quer-se
"cega", no sentido que se dá a esta expressão de imunidade à pressão
externa. Trata-se do propósito de conseguir a mais elementar imparcialidade e
objetividade.
Existem processos cujo
respetivo decurso não reveste a tranquilidade necessária para um bom
julgamento, sendo antes propensos ao julgamento da Sociedade. Nesses processos,
em que os limites da exposição mediática se confundem com o protagonismo de
alguns agentes, os Juízes têm em mãos o enorme desafio de permanecerem isentos
perante tais condicionalismos e de administrarem a Justiça com o rigor que se
lhes impõe. Mas também os advogados, em particular os advogados dos processos
mais mediáticos, devem pautar o seu comportamento segundo os parâmetros
deontológicos inerentes à sua profissão, o que por vezes não se verifica.
Os princípios da Justiça
não podem ser expostos à desvirtuação da espetacularidade mediática. Muito
menos os media devem ser encarados como um instrumento
estratégico na defesa dos constituintes que exponha a Justiça ao risco de
alianças de circunstância.
Este é um tema complexo e
inesgotável. A discussão não pode ser fechada num único texto e, como tal,
deixo a questão para quem me quiser acompanhar na discussão entre a relação de
dois campos que assumem um papel regulador da vida em sociedade: se tivéssemos
de limitar um dos dois, de qual abdicariamos? Da Justiça ou dos media?
Presidente do Círculo de
Advogados de Contencioso
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