domingo, 3 de março de 2013

Limitação de Mandatos

Sentir o Direito

Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
A interpretação da Lei nº 46/2005 (que determina que os presidentes das câmaras municipais e das juntas de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos) tem sido objeto de viva controvérsia. O argumento mais recente resultou da descoberta de uma alteração que terá sido introduzida, por erro, na publicação do diploma em Diário da República.
Tal como foi aprovada, a letra da lei mencionava o presidente "da" câmara ou "da" junta da freguesia. Porém, a publicação refere-se ao presidente "de" câmara ou "de" junta de freguesia. Ora, a versão originária é agora utilizada como argumento a favor da tese que restringe a inelegibilidade à autarquia onde o presidente exerceu os mandatos.
Na verdade, a diferença de redação tem algum significado linguístico, embora se não afigure decisiva. Quando falamos em presidente "da" câmara, poderemos ter em mente um município determinado: aquele em que o presidente cumpriu os mandatos. Já a expressão presidente "de" câmara parece apontar para uma referência geral e abstrata ao cargo.
Tendo em conta a razão de ser da lei, é possível sustentar que a limitação à renovação de mandatos se estende a outras autarquias (municípios ou freguesias, conforme o caso). Tratar-se--ia de impedir a perpetuação de certos circuitos negociais e de rotinas antidemocráticas, que são fáceis de transpor territorialmente, sobretudo num país pequeno.
Mas é plenamente viável uma interpretação mais restritiva da lei, que conclua que só se pretende evitar a eternização de um presidente numa certa autarquia. Esta interpretação pode invocar a letra do artigo 118º da Constituição, que admite limites à "renovação de mandatos", e a natureza restritiva (de um direito fundamental) da lei que limita essa renovação.
Deveria ser o legislador a superar, antes das próximas eleições autárquicas, esta dificuldade interpretativa. Uma lei com esse sentido poderia entrar imediatamente em vigor, porque não há aqui expetativas jurídicas a proteger. Se necessário, deveria encarar-se até uma revisão constitucional, porque esta incerteza só pode gerar desconfiança nos eleitores.
Quanto ao erro cometido na publicação da lei, a retificação teria de ser publicada até 60 dias após a publicação do texto retificado, nos termos da Lei nº 74/98, sob pena de se considerar nulo o ato de retificação. Significa isto que a letra da lei que prevalece, neste caso, é a que usa a preposição "de", embora o erro seja um elemento a considerar na sua interpretação.

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