O presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses e as opções da reforma
José Mouraz Lopes
É incontornável a importância da reforma da organização judiciária em Portugal.
Uma geografia da justiça desenhada num século em que se andava a cavalo e cuja economia se sustentava numa base essencialmente agrícola não tem hoje qualquer sentido.
Em Portugal, como em França ou na Itália, iniciaram-se reformas para alterar esta cartografia de matriz napoleónica. A economia parece, no entanto, moldar definitiva e exclusivamente as reformas em curso. Encerrar tribunais, reduzir custos. Foi assim em França e é assim em Itália. Há, no entanto, que ter cuidado com opções tomadas apenas com esse objetivo. Quem, apressadamente e sem qualquer conhecimento da especificidade da justiça, fez reformas sustentadas em opções voluntaristas e assentes em critérios puramente economicistas, teve resultados trágicos. Foi o que aconteceu em França com a reforma do último governo e é, agora, reconhecido pelo Senado francês.
O debate legislativo que se prevê para a próxima sessão legislativa sobre a reforma da organização judiciária não pode ignorar duas questões essenciais: consenso na decisão e planeamento na execução.
Por um lado, o sistema de justiça, porque assente num direito constitucional do acesso à justiça, não pode ser monopólio de opções partidárias conjunturais nem sustentar-se em opções exclusivamente económicas.
A justiça é feita por juizes, advogados e procuradores em nome do povo e para todo o povo. Esse princípio exige que os decisores políticos consigam o máximo consenso possível numa reforma que se pretende ‘estrutural’. Ouvir, atentar e aceitar opiniões de quem trabalha todos os dias no e para o sistema e, também, de quem é o seu destinatário, é a via única para uma construir uma organização judiciária verdadeiramente legitimadora. Os juizes, nesta questão, não serão nunca parte do problema.
Por outro lado a execução das opções legislativas não pode estar refém de calendários eleitorais. O planeamento e a disponibilidade de todos os recursos essenciais à exequibilidade das opções tomadas são a chave para uma boa reforma. Tribunais especializados de acordo com as realidades regionais, juizes e funcionários suficientes ao número de processos, instalações adequadas ao exercício da função jurisdicional e um sistema informático suficientemente poderoso e seguro, são exigências de funcionalidade do sistema que têm que estar efetivamente disponibilizadas no momento de entrada em vigor da reforma.
Tão importante como uma lei é a sua execução. A má execução desta reforma pode comprometê-la irremediavelmente, independentemente da bondade da opção política que lhe está subjacente.
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