Se nenhuma reforma é politicamente neutra, no actual contexto não parece possível, também, conferir eficácia e legitimidade à justiça sem mudanças significativas
1. Depois do que se tem dito sobre a influência do associativismo judiciário – e têm-se dito muitos disparates –, convém ler os importantes documentos que a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público recentemente divulgaram sobre as reformas.
Concorde-se ou não com a generalidade das suas observações, certo é que ninguém pode negar empenhamento, profundidade, honestidade e utilidade a tais estudos.
Eles alertam para problemas importantes, sugerem soluções viáveis para a melhoria do sistema de justiça e contribuem, com rigor científico e sem demagogia, para um debate político e cívico que é preciso travar.
Uma intervenção desta natureza só prestigia a forma como o associativismo judiciário português soube renovar-se, reinventando, nas circunstâncias de hoje, as suas melhores tradições.
2. Essa intervenção evidenciou, além disso, uma característica imprescindível a este debate.
Desvendou, de novo, os termos correctos em que deve situar-se a discussão política em torno dos problemas da justiça.
Quem pôde acompanhar as reformas que moldaram a justiça portuguesa da democracia é capaz de recordar como até finais dos anos 80, início dos anos 90, tal discussão era situada por todos os intervenientes políticos e sociais – dentro e fora do parlamento – num espaço e num tom bem diferentes daqueles usados em outras áreas da política.
Não por acaso, apesar da vigorosa conflitualidade política e ideológica de então, tais reformas obtinham, nesse período, contributos de diversas origens, numa consensualidade rara e exemplar.
Foi só após o surgimento de alguns processos judiciais invulgares no panorama político-judiciário português que esse modelo foi rompido por quem, na «política» e por vezes fora dela, representava os interesses ameaçados.
Ainda hoje, perante a recente e polémica decisão do Tribunal Constitucional, houve quem não resistisse a percorrer esses caminhos.
Os prejuízos dessa estratégia para o prestígio e a autoridade da justiça foram, porém, notórios.
Se foi esse também o resultado pretendido, então temos de reconhecer que o sucesso foi total.
3. Reconstruir a eficácia e a autoridade da justiça exige, de facto, de todos os agentes políticos e sociais um debate especialmente orientado por uma lógica própria de intervenção democrática.
Se nenhuma reforma é politicamente neutra, no actual contexto não parece possível, também, conferir eficácia e legitimidade à justiça sem mudanças significativas.
A necessidade de a democracia retornar a um discurso baseado no direito, um discurso escudado na genuinidade dos princípios constitucionais e capaz de se afirmar, de novo, como um sustentáculo da esperança colectiva na realização do bem comum, exige inevitavelmente um esforço de todos para a credibilização da justiça.
A discussão a encetar deve, assim, ter sempre em conta a preocupação de recolocar os tribunais no plano institucional que lhes compete. Só assim eles podem constituir um baluarte socialmente eficaz da lei fundamental.
Importa, por isso, erradicar todo o tipo de facciosismos fáceis, estudar profundamente as matérias em causa, discutir os problemas reais e encontrar soluções consensuais (constitucionais) para problemas comummente reconhecidos.
A defesa do Estado de direito e da Constituição – enfim, da soberania nacional – perante a univocidade e a prepotência do discurso das «exigências dos mercados» tem, também, de passar por aí: pela eficácia e pelo prestígio da justiça.
Jurista e presidente da MEDEL
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