sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Tribunal Constitucional e o Orçamento do Estado

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O Tribunal Constitucional e o Orçamento do Estado

O Orçamento do Estado (OE) para 2013, para além de ser uma tragédia para os portugueses, vai ser um difícil teste para o Tribunal Constitucional (TC). 

Este tribunal é, fatalmente, um tribunal especial com legitimidade política, característica que, convém lembrar, não é um pecado mas sim uma virtude. Na base de um tribunal deste tipo está exactamente a intenção de conseguir que numa superstrutura jurídica/judicial se encontrem as mais relevantes correntes de pensamento político existentes na sociedade, permitindo consensos e entendimentos sobre questões fundamentais. O papel essencial dos tribunais constitucionais é o de garantir um Estado de direito democrático, através da fiscalização do respeito da Constituição, tendo surgido, normalmente, na sequência da queda de regimes autoritários/ditatoriais.

Como é evidente, só por ingenuidade ou cegueira, se pode pretender que um tribunal constitucional não seja político. O que não quer dizer que não tenha de fundamentar juridicamente, e de forma convincente, as suas decisões. Basta atentar na recente decisão do Supremo Tribunal norte-americano sobre o Obamacare que foi, evidentemente, uma decisão política, com um enorme impacto, mas nem por isso deixou de ser uma decisão de uma enorme densidade jurídica. 

É, pois, bastante primária a posição daqueles que, sendo grandes defensores da política governamental, entendem que o TC não deve fazer política e só tem que aceitar o OE, já que este consagra as opções políticas e económicas de um Governo que está legitimamente em funções. Mas se a posição da inevitável constitucionalidade do OE é uma ilusão dos crentes na política governamental, também a posição da inequívoca inconstitucionalidade do OE corre o risco de pecar por um apriorismo e um simplismo inaceitáveis. 

O constitucionalista, professor de Direito e pai da Constituição Jorge Miranda, numa entrevista à revista Advocatus deste mês, sublinhou a complexidade da questão: "O Tribunal Constitucional é o órgão de garantia de Constituição mas deve observar-se que tem uma posição muito difícil porque, por um lado, tem de defender os grandes princípios, mas, por outro, tem de atender às realidades de facto. (...) Não é um órgão de governo, é um órgão de controlo da constitucionalidade, que só quando tem a certeza de que uma norma é inconstitucional a deve declarar como tal. É uma questão de grande equilíbrio, muito difícil evidentemente". 

Uma questão muito difícil, com profundas implicações políticas mas que não deve ser evitada, antes pelo contrário, deve ser suscitada pelo Presidente da República. É essencial que o OE que venha a ser aprovado seja o mais legitimado possível, e o crivo do TC, nas actuais circunstâncias, é essencial. Até porque os tribunais, em geral, têm a obrigação de não aplicar as leis que considerem inconstitucionais. E alguns magistrados já começaram a lembrá-lo. 

Por um lado, o juiz desembargador Mouraz Lopes, na qualidade de presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), já assegurou que aquela associação irá pedir a fiscalização do aumento de impostos pelo Tribunal Constitucional por se tratar de um "desmesurado e brutal aumento da carga fiscal dos portugueses", que "ataca de modo feroz" a população. Mais afirmou ser "inaceitável não se cumprir uma decisão do TC", considerando que o Governo não a está a cumprir com esta proposta de Orçamento.

Embora seja claro que não se trata de uma posição individual de um juiz, mas sim do representante de uma associação sindical, e se possa entender que não está mais do que a afirmar uma opinião jurídica, ainda assim, entendo que é excessiva tal intervenção. Na verdade, uma associação sindical não tem poderes para requerer a intervenção do Tribunal Constitucional e, muito naturalmente, haverá deputados suficientes para o fazerem por vontade própria. 

Parece-me que os juízes, para salvaguarda da sua credibilidade, para além de se deverem manter afastados do mundo do futebol, não deveriam assumir na arena pública uma posição de combate, salvo se estiveram em causa os fundamentos da nossa democracia. Será essa a situação que estamos viver? Será que as leis que se avizinham gozam de uma presunção de inconstitucionalidade?

O procurador-geral adjunto António Cluny assim o sugere quando, num artigo publicado no jornal i, a propósito do regime de Vichy, fala da "missão dos juízes" em situações de "soberania limitada", apontando que devem saber distinguir o que valem as leis impostas do exterior "face aos interesses do país, que só podem, afinal, ser aferidos pela legitimidade dos princípios constitucionais que o povo, quando soberano, quis que fossem os seus".

Neste ambiente de crispação, o TC tem pela frente um difícil teste. Espera-se que seja convincente e saia reforçado na sua autoridade.

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