03.08.2012 - 09:36
Por Pedro Lomba
À esquerda os juízes do Tribunal Constitucional são hoje heróis nacionais. À direita diz-se que o tribunal cometeu um grave erro jurídico e económico. "O acontecimento político mais grave dos últimos meses", segundo Fernando Ulrich. Certa ou errada, esta decisão nasceu de um contexto. Eis o que importa apurar: como é que um conjunto de circunstâncias, incluindo uma reviravolta de alguns dos seus juízes, permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados.
Quando Pedro Passos Coelho e
o presidente do Tribunal Constitucional (TC), Rui Moura Ramos, se
envolveram numa troca inédita de reprovações em torno do acórdão do TC
sobre o corte dos subsídios de férias e de Natal, o país inteiro deve
ter ficado aturdido. Não, não era António José Seguro medindo forças com
Passos Coelho. Era o institucional Rui Moura Ramos, que, para evitar
que acusassem o TC de ter aberto a porta a uma austeridade mais dura
para todos - não por acaso, o PCP fez logo essa crítica -, achou que
devia dar uma entrevista à imprensa. Moura Ramos lamentou que Passos
tivesse reagido "a quente" no dia em que o acórdão foi tornado público,
quando afirmou que iria estender os cortes ao sector privado. Ao mesmo
tempo, o presidente do TC aproveitou para instruir que uma leitura do
acórdão centrada na comparação entre sacrifícios do público e do privado
era "errada", visto que o acórdão distingue sim entre "titulares de
rendimentos", o que foi logo visto como uma sugestão para se taxar os
rendimentos de capital.
Quem conhece a contenção e o zelo
judicial de Moura Ramos sabe que estas não foram declarações comuns.
Moura Ramos disse uma vez que o TC "funciona como contrapoder que tem de
dizer não à maioria que legisla". Agora estava a fazer mais que isso. A
esquerda da esquerda aplaudiu. Passos Coelho respondeu, com um tom mais
agressivo do que lhe tem sido habitual: "Podemos entender estas
declarações como sendo de alguém que está de saída e não como de alguém
que, durante todo o tempo, não confundiu a presidência do TC com o
espaço de discussão pública."
Os acórdãos do TC são em regra
identificados por número, barra e ano; e com o nome do relator que marca
a autoria de cada decisão. Isto ajuda à sua invisibilidade quase
apolítica. Mas o acórdão que declarou a inconstitucionalidade dos cortes
dos subsídios não vai ficar conhecido como o 353 de 2012. É uma decisão
carregada de ousadia e consequências políticas, atingindo aquilo a que
temos vindo a chamar o nosso "estado de emergência financeira" e a
margem de manobra de um governo para cumprir o programa da troika e
ajustar a despesa do Estado.
Juízes, sindicatos da função
pública, o grosso da esquerda encararam o acórdão como a prova de que a
Constituição está viva, contestando só que o TC tivesse deixado intactos
os cortes de 2012. Outras vozes foram discordantes. O
constitucionalista Vital Moreira crismou esta decisão no seu blogue como
"inconvincente" por comparar aquilo que não é comparável: o peso dos
funcionários públicos e privados na despesa pública. Paulo Mota Pinto,
um ex-juiz do TC e também professsor de Direito, apelidou a decisão como
"um passo de activismo judiciário, ao arrepio de uma tradição de
self-restraint que caracterizava no controlo segundo os princípios da
proporcionalidade e da igualdade a jurisprudência do TC".
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