RECURSO DE REVISÃO - SENTENÇA CRIMINAL - CORRECÇÃO DA DECISÃO - IDENTIDADE DO ARGUIDO - FALSIDADE - NOVOS MEIOS DE PROVA
I - A primeira questão que se deve colocar no recurso consiste em saber se a falsa identidade do condenado está ou não incluída nos casos em que se pode considerar que há sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.
II - O STJ tem produzido muita jurisprudência sobre o assunto, no sentido maioritário de que, se o que está em causa é a identidade da pessoa que foi efectivamente julgada e condenada, o meio próprio para recolocar a verdade é o da correcção dos elementos de identificação referidos na sentença, de acordo com o art.º 380.º, n.º 1, al. b), do CPP.
III - Contudo, a nosso ver, esta jurisprudência deveria restringir-se aos casos em que não há qualquer dúvida sobre a pessoa física que foi julgada, nomeadamente, porque lhe foram colhidas as impressões digitais ou porque está em prisão preventiva, mas que se identificou com elementos falsos, por estar indocumentada ou por possuir documentos que não são fidedignos.
IV - Com efeito, a correcção da sentença que é legalmente permitida ao tribunal que a proferiu, pois que já esgotou os seus poderes jurisdicionais, só é possível nos casos em que da mesma não resulta modificação essencial. Não parece ser essa a situação em que a pessoa A é nominalmente condenada num processo que lhe foi completamente estranho e no qual não está suficientemente apurado, por elementos inequívocos, quem fisicamente foi acusado e levado a julgamento (pessoa B), pois não esteve presente na audiência e, portanto, não foi possível colher as impressões digitais do condenado.
V - Neste último exemplo, a pessoa A sofreu prejuízos, de ordem moral ou mesmo material, pois ficou com cadastro ou pode mesmo ter sido detida para cumprir uma pena. Não basta, portanto, que a sentença seja corrigida, pois necessário se torna que à pessoa A seja reconhecida a injustiça da condenação e que o seu prejuízo seja ressarcido pelo Estado. O que, todavia, já não se passa com a pessoa B, quando se apurar quem é, pois foi justamente condenada, embora com a identificação de A.
VI - A solução nestes casos em que o arguido, que se desconhece quem verdadeiramente seja, mas que usurpou a identificação de outrem que efectivamente existe e que foi nominalmente condenado, deve fazer-se através do recurso de revisão, movido ou pelo M.º P.º ou pela pessoa nominalmente condenada e, se estiverem reunidos os respectivos pressupostos, o STJ deve autorizar a revisão.
VII - Procede-se, seguidamente, a novo julgamento, cujo único âmbito é o de apurar a verdadeira identidade da pessoa que foi objecto da condenação já transitada em julgado e que, portanto, poderá culminar com a absolvição da pessoa nominalmente condenada, com as demais consequências referidas na lei e, ainda, se possível, com a correcção da sentença condenatória quanto à identificação do verdadeiro autor dos factos (o qual, assim, nunca poderá beneficiar do desfecho do novo julgamento).
VIII - No caso em apreço, a carta enviada pela responsável dos Recursos Humanos do Hotel suíço onde a recorrente trabalha, em resposta a um ofício confidencial que o relator lhe enviou, na qual aquela responsável afirma que a recorrente trabalhou no dia do acidente, a partir das 7 horas da manhã, suscita uma grave dúvida sobre a justiça da condenação.
IX - Na verdade, a ser tal informação correcta – e tudo aponta nesse sentido, nomeadamente, por se reconhecer seriedade ao modo como o povo suíço encara os assuntos oficiais e, particularmente, os de Justiça – a recorrente não pode ter estado presente no dia 4 de Maio de 2008, às 4 h 32 m, num local da comarca de Ovar e, ao mesmo tempo, apresentar-se ao trabalho na Suíça às 7 horas da manhã do mesmo dia, pois tal lhe seria fisicamente impossível.
X - Por isso, havendo uma grave dúvida sobre a justiça da condenação por crime de condução de veículo motorizado sob a influência do álcool, há que autorizar a revisão e reenviar o processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo (art.º 457.º, n.º 1, do CPP), no caso, um dos outros Juízos de Ovar, que não o 3º, a apurar por distribuição.
AcSTJ de 14-07-2011, Proc.º n.º 134/08.3GBOVR-B.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
I - A primeira questão que se deve colocar no recurso consiste em saber se a falsa identidade do condenado está ou não incluída nos casos em que se pode considerar que há sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.
II - O STJ tem produzido muita jurisprudência sobre o assunto, no sentido maioritário de que, se o que está em causa é a identidade da pessoa que foi efectivamente julgada e condenada, o meio próprio para recolocar a verdade é o da correcção dos elementos de identificação referidos na sentença, de acordo com o art.º 380.º, n.º 1, al. b), do CPP.
III - Contudo, a nosso ver, esta jurisprudência deveria restringir-se aos casos em que não há qualquer dúvida sobre a pessoa física que foi julgada, nomeadamente, porque lhe foram colhidas as impressões digitais ou porque está em prisão preventiva, mas que se identificou com elementos falsos, por estar indocumentada ou por possuir documentos que não são fidedignos.
IV - Com efeito, a correcção da sentença que é legalmente permitida ao tribunal que a proferiu, pois que já esgotou os seus poderes jurisdicionais, só é possível nos casos em que da mesma não resulta modificação essencial. Não parece ser essa a situação em que a pessoa A é nominalmente condenada num processo que lhe foi completamente estranho e no qual não está suficientemente apurado, por elementos inequívocos, quem fisicamente foi acusado e levado a julgamento (pessoa B), pois não esteve presente na audiência e, portanto, não foi possível colher as impressões digitais do condenado.
V - Neste último exemplo, a pessoa A sofreu prejuízos, de ordem moral ou mesmo material, pois ficou com cadastro ou pode mesmo ter sido detida para cumprir uma pena. Não basta, portanto, que a sentença seja corrigida, pois necessário se torna que à pessoa A seja reconhecida a injustiça da condenação e que o seu prejuízo seja ressarcido pelo Estado. O que, todavia, já não se passa com a pessoa B, quando se apurar quem é, pois foi justamente condenada, embora com a identificação de A.
VI - A solução nestes casos em que o arguido, que se desconhece quem verdadeiramente seja, mas que usurpou a identificação de outrem que efectivamente existe e que foi nominalmente condenado, deve fazer-se através do recurso de revisão, movido ou pelo M.º P.º ou pela pessoa nominalmente condenada e, se estiverem reunidos os respectivos pressupostos, o STJ deve autorizar a revisão.
VII - Procede-se, seguidamente, a novo julgamento, cujo único âmbito é o de apurar a verdadeira identidade da pessoa que foi objecto da condenação já transitada em julgado e que, portanto, poderá culminar com a absolvição da pessoa nominalmente condenada, com as demais consequências referidas na lei e, ainda, se possível, com a correcção da sentença condenatória quanto à identificação do verdadeiro autor dos factos (o qual, assim, nunca poderá beneficiar do desfecho do novo julgamento).
VIII - No caso em apreço, a carta enviada pela responsável dos Recursos Humanos do Hotel suíço onde a recorrente trabalha, em resposta a um ofício confidencial que o relator lhe enviou, na qual aquela responsável afirma que a recorrente trabalhou no dia do acidente, a partir das 7 horas da manhã, suscita uma grave dúvida sobre a justiça da condenação.
IX - Na verdade, a ser tal informação correcta – e tudo aponta nesse sentido, nomeadamente, por se reconhecer seriedade ao modo como o povo suíço encara os assuntos oficiais e, particularmente, os de Justiça – a recorrente não pode ter estado presente no dia 4 de Maio de 2008, às 4 h 32 m, num local da comarca de Ovar e, ao mesmo tempo, apresentar-se ao trabalho na Suíça às 7 horas da manhã do mesmo dia, pois tal lhe seria fisicamente impossível.
X - Por isso, havendo uma grave dúvida sobre a justiça da condenação por crime de condução de veículo motorizado sob a influência do álcool, há que autorizar a revisão e reenviar o processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo (art.º 457.º, n.º 1, do CPP), no caso, um dos outros Juízos de Ovar, que não o 3º, a apurar por distribuição.
AcSTJ de 14-07-2011, Proc.º n.º 134/08.3GBOVR-B.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
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