segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Casa da Supplicação


Exame crítico das provas * fundamentação de facto * factos provados * factos não provados * ofensa à integridade física qualificada * crime preterintencional * homicídio qualificado * bem jurídico protegido * nexo de causalidade * dolo * negligência * intenção de matar * co-autoria * comparticipação * culpa * agravante * atenuante * especial perversidade * especial censurabilidade * avidez * arma * medida da pena

1 - O exame probatório traduz-se na análise em globo das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo, na meta de um processo justo, que assegure todos os direitos de defesa, como vem proclamado pelo art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
2 - A motivação das decisões judiciais é um autêntico momento de verdade do perfil do juiz, que deve situar-se à margem de qualquer blindagem, no dizer de Perfecto Andrés Ibañez, in Jueces y Ponderacion Argumentativa, pág. 73.
3 - A fundamentação decisória, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, está desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável.
4 - A linha de fronteira entre os 2 tipos legais de crime, de ofensas corporais à integridade física qualificadas, p. e p. pelos arts. 144.º, 145.º e 147.º, do CP e o crime de homicídio qualificado, previsto no art.º 132.º do CP, arranca de um elemento subjectivo, aferido no homicídio pela intenção do agente quanto ao resultado, da supressão da vida, por si dolosamente querido, directa, necessariamente ou possível, mas já nas ofensas corporais, supondo embora uma actuação dolosa de ofender, o resultado escapa a essa intenção, de produção negligente, sempre em nexo causal, uma vez que se está perante um delito caracterizado por especial combinação de dolo (intenção de ofender) e negligência (quanto ao resultado), por isso se apelida de crime preteritencional.
5 - A intenção de matar pertence ao foro intimo e psicológico da pessoa, só a ela se chegando através de factos externos ao agente, concludentes desse nexo psicológico. Apesar disso, a aferição da intenção de matar, não deixa de ser questão do facto.
6 - Entre os factos exteriorizadores da intenção homicida avultam a zona corporal atingida, sobretudo quando nela se alojam órgãos essenciais, imprescindíveis à vida humana, o número de lesões, o instrumento de agressão e a sua forma de utilização.
7 – No caso de homicídio, mostra-se desenhada uma co-autoria, nos termos do art.º 26.º do CP, quando o pacto homicida, ou o acordo de supressão da vida da vítima, foi querido e desejado por todos os agentes do crime e executado conjuntamente.
8 – Assim, todo o comparticipante se apresenta como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o efeito e de realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes.
9 - O crime de homicídio qualificado é construído a partir do tipo matriz base contido no art.º 131.º do CP, pela adição de circunstâncias, que relevam de uma culpa agravada, retratada nos exemplos padrão, descritos no n.º 2 do art.º 132.º do CP.
10 - Entre o homicídio simples e o qualificado intercede uma diferença essencial de grau.
11 - A censurabilidade especial de que fala o art.º 132.º do CP reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada, sendo que, estas são de tal modo graves quando reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores, visível na realização do facto.
12 - A especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, atinente à personalidade do autor.
13 – A avidez, prevista na al. e) do n.º 2 do art.º 132.º do CP, traduz-se na ganância em obter um benefício patrimonial, o desejo desenfreado de um benefício patrimonial, susceptível de provocar, por princípio, uma desproporção entre o meio e o fim.
14 - Se, o instrumento usado na prática do crime foi um objecto contundente, compatível com uma sachola, mas sem se caracterizar na matéria de facto se o seu uso envolveu a parte metálica ou o cabo, não pode, por essa dúvida, concluir-se se o instrumento usado trouxe uma perigosidade acrescida.
15 - A fixação da medida concreta da pena em sede de recurso rege-se por critérios específicos, sendo sempre de levar em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente, tendo sempre presente que a duração da pena não deve prejudicar a vida futura do agente mais do que o bastante para o corrigir.
AcSTJ de 17-02-2011, Proc. n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro

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