quarta-feira, 22 de junho de 2011

A corrupção, o Estado e as Autarquias

«Estado incapaz de fiscalizar corrupção nas autarquias
Análise. Relatório do Ministério da Justiça reconhece “lacunas” e “falhas de funcionamento” no combate ao crime económico

A lnspecção-Geral das Autarquias Locais (IGAL) admite a sua incapacidade para realizar, sequer, uma inspecção por mandato a cada um dos 279 municípios do continente e, muito menos, para avançar com acções-surpresa. A entidade lembra que conta apenas 31 inspectores quando se previa que fossem 110. A informação surge num relatório do Ministério da Justiça (MD que analisa a capacidade de o Estado em combater a corrupção depois de em Setembro o Parlamento ter aprovado oito medidas de reforço contra este tipo de crime. No documento, admite-se “lacunas” e “falhas de funcionamento”, e até “desarticulações”. No entanto, o mesmo relatório revela que, entre 2007 e 2010, o número de crimes de corrupção participado à polícia baixou de 122 para 51.
Sendo as autarquias apontadas como um dos sectores mais vulneráveis à corrupção, o relatório transcreve as “insuficiências” da IGAL: “Exemplo dessa insuficiência é a incapacidade de dar cumprimento ao objectivo de realizar uma inspecção por mandato a cada município, e também a impossibilidade de realizar acções-surpresa como acontecia no passado.” Essa incapacidade repercute- -se, nomeadamente, nos actos de fiscalização junto de empresas camarárias: “Foi ainda apontada a dificuldade de realizar inspecções às entidades do sector empresarial local, não só pela insuficiência de recursos humanos, como pela falta de quadros especializados em matéria económico-financeira”, refere o relatório.
O documento revela também que o quadro de pessoal da IGAL chegou a prever 110 inspectores, embora nunca tenham estado preenchidos mais do que 55 efectivos. Actualmente, a entidade apenas dispõe de 31 inspectores nos seus quadros, 24 deles na área jurídica, seis na área económica e um na área da engenharia civil.
Ministério Público limitado
Mas, no que respeita à luta contra a corrupção, também o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, dirigido pela procuradora Maria José Morgado, se queixa de várias limitações. Uma delas é a impossibilidade de aceder à base de dados da administração pública. “Foi identificado, com particular acuidade, o exemplo das bases de dados detidas por serviços e organismos do MJ, nomeadamente, as bases de dados com informação civil, criminal, comercial, predial, ou sobre pessoas colectivas, automóveis ou procurações, às quais o DIAP de Lisboa não consegue aceder”, lê-se no documento.
“Este organismo do Ministério Público apontou também a insuficiência dos recursos humanos como factor prejudicial no combate a este tipo de criminalidade, sobretudo de peritos especializados que pudessem auxiliar na melhor delimitação da investigação criminal e na caracterização dos ilícitos.” A falta de meios em matéria pericial é ainda pontada “como factor de demora nas investigações, provocando situações de aceleração processual, por ultrapassagem dos prazos máximos de duração dos inquéritos, com graves prejuízos para os cidadãos e para os serviços de justiça”. Também a Inspecção-Geral das Finanças, no mesmo relatório, se queixa da insuficiência de recursos humanos para combater a corrupção, tal como a Polícia Judiciária. Esta última, no entanto, diz necessitar de reforços, sobretudo de especialistas superiores, só na Directoria do Norte.
Este documento foi realizado pelo MJ para analisar o impacto das medidas de combate à corrupção aprovadas em Setembro no Parlamento (ver coluna ao lado).
CRIME
Apenas uma testemunha submetida a protecção
> Os crimes mais complexos obrigam, por vezes, a que as autoridades incrementem programas especiais de protecção de testemunhas, a cargo da Comissão de Programas Especiais de Segurança. Este organismo, entre 2003 e 2010, deu início a 18 programas especiais, três dos quais relativos a situações de corrupção (sendo que um destes, o mais antigo dos programas especiais, ainda está activo). Entre testemunhas e familiares, foram objecto dos programas especiais concebidos pela Comissão 27 pessoas -15 testemunhas e 12 familiares.
Aqueles programas envolveram três processos de crimes de corrupção de que resultou apenas uma testemunha submetida a protecção especial.
Registados menos crimes e mais condenações
corrupção Embora o Parlamento tenha aprovado, em Setembro, oito novas medidas de combate à corrupção, o certo é que as estatísticas apontam para uma diminuição de ilícitos registados. Segundo um relatório do Ministério da Justiça, que fez a monitorização da aplicação daquelas novas leis, o número de crimes de corrupção participados às autoridades entre 2007 e 2010 baixou de 112 para 51. Em contrapartida, em 2007 foram condenados 48 arguidos, subindo para 55 em 2009. Pouco impactantes são também os números relativos ao peculato. Em 2007 foram registados pelas autoridades 48 crimes, tendo decrescido para 27 em 2010. As condenações foram ao contrário: 79 em 2007 e 110 em 2009.
O crime de abuso de autoridade, perpetrado por funcionários públicos, tem vindo, por seu lado, a aumentar desde 2007. Neste ano, as autoridades registaram 29 crimes, tendo crescido para 54 em 2010. Também aqui se verifica o fenómeno contrário relativamente às condenações: em 2007 registaram-se 13, em 2008 14, mas em 2009 foram apenas nove. O relatório não apresenta dados sobre condenações em 2010.
MEDIDAS PRESCRIÇÃO
> Prazo Com a Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro, foi alargado para 15 anos o prazo de prescrição dos crimes de corrupção ou similares. Foi também criado um novo tipo criminal: “recebimento indevido de vantagem”, que contempla a solicitação ou aceitação, por funcionário, de vantagem que não lhe seja devida.
O crime de “corrupção activa” passa a ter uma moldura penal mais agravada: pena de prisão de 1 a 5 anos. É ainda criado o crime de “violação de regras urbanísticas por funcionário”.
ACUMULAÇÃO
> Inversão Com a Lei n.º 34/2010, de 2 de Setembro, é invertida a regra da acumulação de funções públicas com privadas, passando a exclusividade no exercício de funções públicas a ser a regra.
BANCOS
> Dever de segredo Com a Lei n.º 36/2010, de 2 de Setembro, clarifica-se o regime de acesso das “autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”, a actos e elementos bancários cobertos pelo dever de segredo. Por outro lado, é criada, no Banco de Portugal, uma base de contas bancárias existentes no sistema bancário, na qual constam os titulares de todas as contas.
SIGILO
> Derrogação Com a Lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, deixa de ser necessária a autorização de um juiz para que, por exemplo, um solicitador de execução aceda a uma conta bancária.
POLÍTICOS > Declarações Com a Lei n.º 38/2010, de 2 de Setembro, é alterado o universo dos titulares dos cargos públicos obrigados à apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, que passa a abranger os membros de órgãos executivos das empresas que integram o sector empresarial local, bem como os membros dos órgãos directivos dos institutos públicos. Assinala-se que os subdirectores-gerais deixam de estar abrangidos pelo regime de controlo público da riqueza.
CRIMES
> Responsabilidade Com a Lei n.º 41/2010, de 3 de Setembro, é aplicado ao titulares de cargos públicos o agravamento das penas dos crimes de corrupção.
TESTEMUNHAS
> Protecção A Lei n.º 42/2010, de 3 de Setembro, introduziu uma disposição destinada a proteger as testemunhas de crimes económicos e financeiros.»
Do Diário de Noticias de 22 de Junho de 2011


LICÍNIO LIMA

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