Tráfico de estupefacientes – correio de droga – atenuação especial da pena
I - No caso em apreço, o ora recorrente, detido em flagrante delito de transporte de cocaína no aeroporto de Lisboa, imediatamente colaborou activamente com a polícia, pois indicou o local e o modo onde iria ser contactado pelo outro co-arguido, para que aquela substância pudesse ser posteriormente transportada para Espanha.
II - Se não fosse tal colaboração do recorrente, traduzida nessas informações e na informação dada ao co-arguido de que estava “tudo bem”, quando este telefonou para o hotel onde ficara combinado o encontro, nunca a polícia teria suspeitado da existência desse co-arguido e, portanto, só através do recorrente foi possível vir a capturá-lo e, mais tarde, a condená-lo no âmbito deste processo.
III - Assim, há que reconhecer que o ora recorrente actuou de forma a “auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena”.
IV - O recorrente deve, pois, beneficiar de atenuação especial da pena, nos termos dos art.ºs 31.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 73.º do CP, mas não da dispensa da pena, pois a sua colaboração só permitiu a captura de um outro «correio» e não de um dos “mandantes”, da organização criminosa em causa. Teria sido mais importante, por exemplo, que o arguido colaborasse para a detenção de quem lhe entregou a cocaína para transporte, mas sobre isso limitou-se a referir simples nomes indistintos, que para a investigação acabam por ser irrelevantes.
V - Entende-se adequado, face aos facto provados e à personalidade do recorrente, tendo em conta o disposto nos art.ºs 21.º, n.º 1, e 31.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 73.º do CP, condená-lo na pena de 3 anos de prisão (reduzindo a pena de 5 anos e 3 meses de prisão que a 1ª instância lhe aplicou), mas não suspensa na sua execução, pois nos casos em que o agente actua como correio internacional de droga, portanto, como uma peça muito importante para a organização criminosa que dele se serviu e que esperava, através dele, introduzir grande quantidade de produto no mercado europeu, há fortes razões de prevenção geral para impedir a suspensão da pena, pois tal faria desacreditar a expectativa que a comunidade tem sobre a eficácia da norma que pune tais condutas.
AcSTJ de 16-03-2011, Proc. n.º 187/10.4JELSB.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
Habeas corpus – prazo da prisão preventiva – recurso da prisão preventiva – prazo para decisão
I - O requerente do habeas corpus alega que se encontra em prisão preventiva para além do prazo fixado na lei, pois que ainda não teria sido decidido um recurso que interpôs sobre a aplicação da medida coactiva e já foi ultrapassado o prazo máximo de 30 dias, contado desde que o recurso foi recebido no tribunal da relação, em violação do disposto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP.
II - Apurou-se, posteriormente, contudo, que o recurso foi julgado improcedente por acórdão de 1 de Março de 2011, pelo que a alegação do requerente, enviada também em 1 de Março, mas com carimbo de entrada de 9, já não tinha actualidade (embora o requerente ainda não estivesse notificado do acórdão) e tanto bastaria para indeferir a sua pretensão, pois o habeas corpus destina-se a obviar a uma prisão que padeça de uma ilegalidade ostensiva actual e em curso (princípio da actualidade).
III - Seja como for, o prazo máximo de prisão preventiva na fase processual em que se encontra o procedimento – inquérito antes de deduzida acusação – é de 6 meses, pois tem-se em vista a investigação por criminalidade violenta e por crimes puníveis com prisão superior a 8 anos, conforme resulta do disposto no art.º 215.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CPP. O prazo máximo da prisão preventiva está, assim, muito longe de se esgotar.
IV – O prazo previsto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP não faz parte do elenco dos prazos máximos de prisão preventiva configurados na lei, todos vertidos no art.º 215.º, o qual, aliás, tem mesmo a epígrafe “Prazos de duração máxima da prisão preventiva”. E, por essa razão, são os prazos do art.º 215.º que se devem ter em conta para o efeito do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 222.º, quando no habeas corpus se alega excesso de prazo de prisão preventiva. Não quaisquer outros prazos que corram durante o decurso da prisão preventiva, como os de reexame dessa medida (art.º 213.º) ou os da decisão dos recursos.
V - Há que reconhecer, também, que o prazo previsto no art.º 219.º, n.º 1, do CPP não tem natureza peremptória, mas meramente reguladora do andamento do processo, no sentido de que a decisão do recurso é urgente e não deve ser protelada. Pois, se este prazo fosse peremptório, seria obrigatório que alguma norma legal – aquela ou outra – indicasse a consequência directa do seu incumprimento.
VI - As consequências por não haver uma decisão do recurso sobre a prisão preventiva no prazo de 30 dias são as de que o sujeito processual interessado pode solicitar a aceleração do processo (art.º 108.º do CPP) ou de que pode ser instaurado um procedimento disciplinar ao magistrado prevaricador.
VII – A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que “a demora de 23 dias na decisão sobre a legalidade da prisão preventiva violava o artigo 5.º, § 4.º, da CEDH” tem de ser adaptada ao nosso ordenamento jurídico, pois no CPP português o recurso do despacho que aplicou ou manteve a prisão preventiva não suspende o andamento do processo nem a contagem do prazo da prisão preventiva, pelo que a investigação prossegue e a medida coactiva pode ou não ser alterada ou revogada no processo principal, independentemente do resultado do recurso.
VIII – O prazo de 30 dias previsto no art.º 219.º, n.º 4, foge muitas vezes ao controle do juiz relator da relação, pois é frequente ter de se solicitar à 1ª instância mais elementos para além dos que constam da certidão (já que o recurso é instruído e remetido em separado do processo principal), para além de que o M.º P.º junto do tribunal superior tem o prazo de 10 dias para se pronunciar (art.º 416.º do CPP), o recorrente tem outros 10 dias para responder ao parecer desse Magistrado (art.º 417.º, n.º 2) e o processo tem de ir a vistos dos outros juízes. Tudo somado, muitas vezes o acórdão não pode ser lavrado e aprovado na conferência no prazo indicado na lei processual de 30 dias, quanto mais no prazo de 23 dias aludido pelo TEDH.
IX - “A demora no conhecimento do recurso” tem de reportar-se, à luz do nosso CPP, ao momento em que, depois de o processo ter sido concluso ao juiz relator da relação para decidir, isto é, depois do parecer do M.º P.º e, se for caso disso, do cumprimento do art.º 417.º, n.º 2, do CPP, já tenham decorrido os 30 dias previstos na lei, acrescidos de um razoável prazo de tolerância (que, sendo de 23 dias, o TEDH já considerou como excessivo).
AcSTJ de 16-03-2011, Proc. n.º 155/10.6JBLSB-C.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
Nulidade da sentença – regime especial para jovens – fundamentação de facto – concurso de infracções – pena única – cúmulo por «arrastamento» – medida da pena
I - A questão da aplicação do regime decorrente do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que prevê um regime especial para jovens delinquentes, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos de idade, só se coloca, quer na vertente da escolha de penas não detentivas, quer na da atenuação especial da pena de prisão, em relação à determinação de cada uma das penas parcelares e não quanto à pena única.
II - Efectivamente, a escolha da pena da pena única efectua-se nos termos do art.º 77.º do CP e, ao contrário do que sucede quanto às penas parcelares (cfr. art.ºs 70.º a 72.º do CP), não há nenhuma possibilidade de escolha de pena alternativa à espécie das que compõem o concurso de crimes, nem qualquer permissão para se atenuar especialmente a respectiva moldura, que se situa entre a pena parcelar mais grave e a soma de todas as penas, num máximo de 25 anos de prisão.
III - Já noutras circunstâncias temos entendido que «1– Não é necessário, nem desejável, que a decisão que efectua um cúmulo jurídico de penas, todas já transitadas em julgado, venha enumerar os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas. Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu à pena única. 2- Mas, será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstracto, não é em regra bastante. Como também deve descrever, ou ao menos resumir, os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente».
IV – A inobservância dessas regras pode conduzir à nulidade da sentença, mas tal decisão só encontrará justificação em casos extremos, em que não constam dos autos as certidões das sentenças onde foram aplicadas as penas parcelares e em que o tribunal foi completamente omisso na descrição factual, deixando o tribunal “ad quem” completamente impossibilitado de tomar uma decisão justa.
V - Tanto mais que não podemos olvidar que as circunstâncias concretas de cada caso já foram valoradas nas sentenças respectivas e, portanto, não o podem ser novamente na escolha da pena única, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”.
VI - O acórdão recorrido não efectuou o chamado «cúmulo por arrastamento», pois não cumulou a pena parcelar da primeira sentença a transitar em julgado (a do proc. 69/06.4PAVNF do 1º Juízo Criminal de V. N. de Famalicão – transitada em 23-04-2007) com as penas aplicadas aos crimes cometidos depois dessa data, apesar de muitos outros crimes dos mesmos processos terem sido cometidos anteriormente e estarem as respectivas penas numa situação de concurso com aquela.
VII - O tribunal recorrido optou por separar as penas dos crimes cometidos antes de 23-04-2007 (data do primeiro trânsito das sentenças em causa) das penas dos crimes cometidos depois, o que se mostra juridicamente correcto face ao disposto no art.º 78.º do CP e até corresponde a uma ordem cronológica que tem o mérito de distinguir as penas “que reflictam a advertência solene que foi feita pelo trânsito em julgado da condenação sofrida no processo n.º 69/06.4PAVNF”.
VIII - Contudo, é possível, sem ofensa do disposto na mesma norma legal, distinguir a pena do processo n.º 69/06.4PAVNF, que fica isolada, das penas parcelares de todos os restantes processos, pois, destes, a primeira sentença a transitar em julgado foi a do processo n.º 102/07.8PIPRT, do 1º Juízo Criminal de Santo Tirso (em 22/06/2009) e todos os crimes dos restantes processos foram praticados antes dessa data, pelo que há uma situação de concurso entre os processos que se identificaram como B), C), D), E), F) e G).
X - A opção entre a solução do acórdão recorrido e esta, porém, não é indiferente, pois deve escolher-se a que mais favorece o arguido, embora, tendencialmente, seja lógico, como dissemos, agruparem-se os factos pelas épocas em que foram cometidos, os mais antigos de um lado e os mais recentes do outro, pois tal será o modo mais correcto de avaliá-los em conjunto, bem como a personalidade do arguido durante certo período temporal.
X - Acontece, porém, que numa situação em que se tem de formular mais do que uma pena única para o mesmo arguido, a cumprir sucessivamente, e em que há penas parcelares que tanto podem ser englobadas num dos concursos de penas como no outro, a escolha faz-se de modo a agrupar as penas mais elevadas que sejam cumuláveis entre si.
XI - Na verdade, essa será a situação mais favorável para o arguido, pois, na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o factor de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos.
XII – O tribunal recorrido condenou o recorrente em duas penas únicas de cumprimento sucessivo, uma de 12 e outra de 11 anos de prisão, mas seria possível, na avaliação conjunta dos factos e da personalidade daquele, reduzir essas penas únicas, agrupadas pelo modo como fez a 1ª instância, para 7 e 8 anos de prisão. Contudo, pelo método de deixar isolada a primeira pena que transitou em julgado, para depois cumular todas as restantes (que estão entre si numa situação de concurso), seria de condenar o recorrente na pena singular de 1 ano de prisão (cuja suspensão ainda se mantém pendente de posterior decisão), a que acresce uma pena única de 10 anos de prisão.
XIII - Vemos assim que, embora a 1ª hipótese fosse a que melhor iria espelhar o percurso de vida do recorrente, a segunda (também juridicamente correcta) é-lhe muitíssimo mais favorável. Não temos dúvida, portanto, em acolher esta última, pois se o mesmo está a ser “prejudicado” pelo facto de algumas condenações terem transitado em julgado mais «cedo» do que as outras (o que, na prática, impediu o cúmulo jurídico de todas as penas), não pode agora ser prejudicado por outras terem transitado mais «tarde», por força da lentidão de alguns processos judiciais.
AcSTJ de 16-03-2011, Proc. n.º 92/08.4GDGMR.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho
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