Acórdão - Indiciação dos meios de prova - Parcialidade - Perícia sobre a personalidade - Testemunha menor - Abuso sexual - Factos relevantes - Crime continuado - Reformatio in pejus
1 – Se num acórdão condenatório, o Tribunal de 1.ª Instância, descreve extensamente os meios de prova que serviram para fundar positivamente a sua convicção quanto aos factos provados, com indicação dos elementos lógicos de que partiu para essa decisão de facto e depois alude às declarações do arguido, com o mesmo tratamento, acompanhado de algumas considerações críticas sobre a estratégia da defesa e a posição assumida pelo arguido, desajustadas quanto à forma, não se pode afirmar que o tribunal tenha sido parcial no tratamento da questão de facto.
2 – Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
3 – Por outro lado, o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os "pontos de facto" que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham "decisão diversa" da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer. E, se for o caso, a análise referente aos vícios das diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
4 – Mas não se basta com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. E a não apreciação da questão de facto devidamente suscitada constitui omissão de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão (cfr., por todos, o AcSTJ de 11/10/2007, proc. n.º 3330/07-5, com o mesmo Relator).
5 – Se a decisão recorrida contem declarações genéricas sobre as limitadas possibilidades de reexame da matéria de facto que lhe assistem na prática, mas não se fica por aí e aprecia igualmente os pontos impugnados pelo recorrente à luz da prova documentada, não há qualquer omissão de pronúncia.
6 – Saber se a Relação decidiu bem a questão de facto que lhe fora colocada situa-se para além do horizonte dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que só conhece, enquanto tribunal de revista (que é o caso) da questão de direito, dando por definitivamente assente a decisão de facto pelas instâncias, independentemente de poder oficiosamente declarar a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º, quando não tiver adequada base de facto para a decisão de direito, mas nunca conhecer de tais vícios a requerimento da parte ou, ainda menos, conhecer de impugnação alargada da matéria de facto, como parece pretender o recorrente.
7 – A perícia da personalidade a que alude o n.º 3 do art. 130.º do CPP, visa verificar a aptidão física e mental do menor de 18 para depor em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, designadamente quando deles foi vítima, para avaliar da sua credibilidade (n.º 2 desse artigo), enquanto a perícia de personalidade do arguido é realizada para efeito de avaliação da sua personalidade e perigosidade do arguido, incidindo sobra as características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização (n.º 1 do art.º 160.º).
8 – E na verdade, a credibilidade que se prende necessariamente com a idade da testemunha e a natureza do crime, postula a obtenção de um discurso sobre a situação, pois não se trata de uma mera credibilidade geral e desligada da vida, tributária tão só de condicionantes psico-biológicas, mas sim da sua credibilidade relacionada com aquele pedaço de vida, que exactamente pela sua natureza autoriza a avaliação pericial da credibilidade da testemunha.
9 – Se a Relação contextualizou a impugnação pelo recorrente do «local onde a assistente, sua irmã e pai moravam à data da morte da mãe e as tarefas caseiras que lhe eram destinadas, nomeadamente a confecção do almoço de quartas e sextas-feiras», considerando-a matéria circunstancial e sem relevância na determinação do crime, retomou uma distinção que resulta da lei entre factos relevantes e irrelevantes e não uma qualquer distinção arbitrária, numa interpretação inconstitucional dos art.ºs 431°, 428°, 425° n.° 4 e 379°, n.° 1, c), do CPP
10 – Não estando provada a verificação de circunstancialismo exterior ao agente que diminua a sua culpa na repetição dos comportamentos ilícitos em relação a sua filha (abuso sexual), não se pode falar de crime continuado, não havendo, no entanto, que extrair consequências punitivas num recurso só interposto pela defesa, dada a proibição da reformatio in pejus.
AcSTJ de 23.10.2008, proc. n.º 2869/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Se num acórdão condenatório, o Tribunal de 1.ª Instância, descreve extensamente os meios de prova que serviram para fundar positivamente a sua convicção quanto aos factos provados, com indicação dos elementos lógicos de que partiu para essa decisão de facto e depois alude às declarações do arguido, com o mesmo tratamento, acompanhado de algumas considerações críticas sobre a estratégia da defesa e a posição assumida pelo arguido, desajustadas quanto à forma, não se pode afirmar que o tribunal tenha sido parcial no tratamento da questão de facto.
2 – Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
3 – Por outro lado, o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os "pontos de facto" que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham "decisão diversa" da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer. E, se for o caso, a análise referente aos vícios das diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
4 – Mas não se basta com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. E a não apreciação da questão de facto devidamente suscitada constitui omissão de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão (cfr., por todos, o AcSTJ de 11/10/2007, proc. n.º 3330/07-5, com o mesmo Relator).
5 – Se a decisão recorrida contem declarações genéricas sobre as limitadas possibilidades de reexame da matéria de facto que lhe assistem na prática, mas não se fica por aí e aprecia igualmente os pontos impugnados pelo recorrente à luz da prova documentada, não há qualquer omissão de pronúncia.
6 – Saber se a Relação decidiu bem a questão de facto que lhe fora colocada situa-se para além do horizonte dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que só conhece, enquanto tribunal de revista (que é o caso) da questão de direito, dando por definitivamente assente a decisão de facto pelas instâncias, independentemente de poder oficiosamente declarar a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º, quando não tiver adequada base de facto para a decisão de direito, mas nunca conhecer de tais vícios a requerimento da parte ou, ainda menos, conhecer de impugnação alargada da matéria de facto, como parece pretender o recorrente.
7 – A perícia da personalidade a que alude o n.º 3 do art. 130.º do CPP, visa verificar a aptidão física e mental do menor de 18 para depor em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, designadamente quando deles foi vítima, para avaliar da sua credibilidade (n.º 2 desse artigo), enquanto a perícia de personalidade do arguido é realizada para efeito de avaliação da sua personalidade e perigosidade do arguido, incidindo sobra as características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização (n.º 1 do art.º 160.º).
8 – E na verdade, a credibilidade que se prende necessariamente com a idade da testemunha e a natureza do crime, postula a obtenção de um discurso sobre a situação, pois não se trata de uma mera credibilidade geral e desligada da vida, tributária tão só de condicionantes psico-biológicas, mas sim da sua credibilidade relacionada com aquele pedaço de vida, que exactamente pela sua natureza autoriza a avaliação pericial da credibilidade da testemunha.
9 – Se a Relação contextualizou a impugnação pelo recorrente do «local onde a assistente, sua irmã e pai moravam à data da morte da mãe e as tarefas caseiras que lhe eram destinadas, nomeadamente a confecção do almoço de quartas e sextas-feiras», considerando-a matéria circunstancial e sem relevância na determinação do crime, retomou uma distinção que resulta da lei entre factos relevantes e irrelevantes e não uma qualquer distinção arbitrária, numa interpretação inconstitucional dos art.ºs 431°, 428°, 425° n.° 4 e 379°, n.° 1, c), do CPP
10 – Não estando provada a verificação de circunstancialismo exterior ao agente que diminua a sua culpa na repetição dos comportamentos ilícitos em relação a sua filha (abuso sexual), não se pode falar de crime continuado, não havendo, no entanto, que extrair consequências punitivas num recurso só interposto pela defesa, dada a proibição da reformatio in pejus.
AcSTJ de 23.10.2008, proc. n.º 2869/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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