sexta-feira, 4 de abril de 2008

Casa da Supplicação

Decisão proferida contra jurisprudência fixada - Recurso - Reexame do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
1 – O n.º 3 do art. 445.º do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 59/98 veio permitir que os tribunais judiciais se afastassem da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, desde que fundamentem as divergências relativas à tal jurisprudência.
2 – Esse dever de fundamentação não corresponde ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art.ºs 97.º, n.º 4, 374.º do CPP), mas traduz-se num dever especial de fundamentação destinado a explicitar e explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.
3 – Quis então o legislador que o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada, pudesse gerar uma "fiscalização difusa" da jurisprudência uniformizada (art. 446.º, n.º 3 do CPP).
4 – Usando as duas normas, sobre a possibilidade de revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça da jurisprudência por si fixada, a mesma terminologia: haver "razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada" (art.ºs 446º, n.º 3 e 447.º, n.º 2, 1.ª parte do CPP), as únicas razões, pois, que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada.
5 – Isso sucederá, v.g. quando:
– o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;
– se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente,
– a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juizes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada.
6 - Mas seguramente não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do Supremo Tribunal de Justiça, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a "solução legal".
7 – Se o Tribunal Constitucional vem emitindo um juízo de inconstitucionalidade de norma interpretada por um acórdão uniformizador de jurisprudência, deve o Supremo Tribunal de Justiça reexaminar a posição assumida no acórdão uniformizador de jurisprudência.
AcSTJ de 03.04.2008, proc. n.º 689/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso de revisão - transito em julgado - julgamento na ausência - erro de identidade do arguido - correcção da sentença
1 – O recurso extraordinário de revisão é interposto de decisão transitada em julgado, por contraposição aos recursos ordinários que são interpostos das decisões que ainda se não tornaram definitivas, sendo que uma decisão transita em julgado quando já não admite recurso.
3 – Se o arguido foi julgado na ausência e ainda não foi notificado da sentença condenatória, esta não transitou pois aquele ainda pode recorrer, quando tiver lugar essa notificação (n.º 5 do art. 333.º do CPP). Não tendo transitado em julgado não pode ser objecto de um recurso extraordinário de revisão que pressupõe necessariamente o trânsito em julgado.
4 – Os factos descritos na sentença condenatória são acções humanas voluntárias, atribuídas, por conseguinte, a uma pessoa física, relevando o ente que age e procede.
5 – Se foi este a ser julgado embora invocando uma identidade que não é a sua não fica em causa a justiça da condenação, impõe-se somente a correcção do lapso cometido.
AcSTJ de 03.04.2008, proc. n.º 573/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - Matéria de facto - Alteração pela Relação - Alteração da qualificação jurídica - Convolação - Participação em rixa - Mais de 2 pessoas - Suspensão da execução da pena
1 – A al. a) do n.º 1 do art. 432.º do CPP ao dispor que se recorre para o STJ de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, fá-lo em contraposição com a al. b) que dispõe para as decisões proferidas, em recurso, pelas relações (que não sejam irrecorríveis, num apelo, designadamente ao disposto no art. 400.º do mesmo diploma); ou seja, as decisões proferidas em 1.ª instância pelas relações não são seguramente decisões proferidas, em recurso pelas relações [a que se referem aquela al. b)].
2 – Aliás, a al. a) daquele n.º 1 dirige-se, em primeira linha, ao dispositivo que, no CPP, estabelece a competência das relações, também para decidirem em 1.ª instância, como é o caso do das decisões finais ou interlocutórias das relações proferidas nos termos das als. a), c) d) e e) do n.º 3 do art. 12.º do CPP: quando as secções criminais das relações, em matéria penal, julgam processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos [al. a)], julgam os processos judiciais de extradição [al. c)], julgam os processos de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira [al. d)], ou exercem as demais atribuições conferidas por lei [al. e)] (cf. o art. 56.º, n.º 1 Da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – LOFTJ)
3 – A circunstância de a Relação ter alterado a matéria de facto, em nada altera esta disciplina, pois que continua a ser uma decisão proferida em recurso e não em primeira instância e esse é que é o elemento diferenciador.
4 – No modelo traçado pelo CPP, quer na versão originária, quer no texto resultante da revisão de 1998 e de 2007, em recurso trazido da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, não conhece(ia) da questão de facto, que fica(va) definitivamente resolvida na 2.ª Instância, como constituiu jurisprudência abundante e pacífica. Portanto, efectuado o exame e reexame da matéria de facto pelas duas instâncias, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente daquela matéria ter sido alterada, reapreciá-la novamente.
5 – Esta solução não viola quaisquer normativos constitucionais pois que o que a Lei Fundamental acolhe é o direito a um grau de recurso e não o duplo grau de recurso. Daí tendo havido um recurso para a Relação sobre a matéria de facto, foi respeitado o seu direito constitucional ao recurso, que não sofre lesão pela circunstância de, dessa decisão da relação, não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Aliás, o Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo art. 2.º prescreve que «qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei» (n.º 1) e que «este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição».
6 – Se se invoca contradição insanável da fundamentação, mas se quer significar discordância em relação à qualificação jurídica, está-se a invocar o erro de subsunção dos factos ao direito, que é um erro de direito por excelência.
7 – A mera alteração da qualificação jurídica, isto é a convolação, quando assente na mesma matéria de facto, como o próprio arguido aceita acontecer no caso sujeito, não é uma alteração de factos (substancial ou não substancial), exactamente porque os factos são os mesmos, não foram alterados, embora o n.º 3 do art. 358.º do CPP (alteração não substancial dos factos) aditado pela Lei n.º 59/98 tenha vindo dispor que o disposto no n.º 1 desse artigo é correspondentemente aplicável quando o tribunal altera a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
8 – Ou seja, a mera alteração da qualificação jurídica não é alteração de factos (substancial ou não substancial), mas é-lhe aplicado o regime jurídico da alteração não substancial dos factos.
9 – E a mencionada alteração do art. 358.º do CPP nasceu até da jurisprudência constitucional sobre a alteração da qualificação jurídica produzida a propósito do Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 2/93, (de 27-1-93, DR IS-A de 10-3-93 BMJ 423-47) do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a questão da convolação (Ac. do TC n.º 446/97 de 25-6-97) que foi reformulado pelo Ac. de uniformização de jurisprudência n.º 3/00. de 15-12-1999, DR IS-A de 11-02-00) no seguinte sentido: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa.
10 – Rixa é a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um e que se traduz em actos e não apenas palavras ou gestos.
11 – Na participação em rixa punem-se apenas os intervenientes em rixa se não provar a sua responsabilidade em crime do homicídio ou de ofensas corporais; provando-se qualquer destes, respondem por ele e não por participação em rixa, que então fica consumida.
12 – Deve definir-se rixa como a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um, não pode, pois, restringir-se a duas pessoas, como crime colectivo que é, ou de concurso necessário, porquanto nesse caso haverá apenas um conflito recíproco e não rixa.
13 – Hoje a pena não superior a 5 anos de prisão pode ser suspensa na sua execução dada a nova redacção do n.º 1 do art. 50.º do C. Penal, que elevou o respectivo limite
14 – Quando o limite atendível estava fixado em 3 anos de prisão, o acento tónico das exigências da lei estava situado sobre o juízo de prognose inicialmente referido e que relevava essencialmente para as possibilidades de reintegração do agente, na prevenção da reincidência, uma vez que aquele limite já precavia uma relativa gravidade do crime cometido.
15 – Mas o alargamento desse limite para 5 anos de prisão faz realçar, nesse excedente, a necessidade de ponderar criteriosamente as circunstâncias do crime na sua relação com o fim primeiro das penas: a protecção dos bens jurídicos, as necessidades de prevenção geral de integração e mesmo de intimidação.
Ac. de 03.04.2008, proc. n.º 4827/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência - oposição de acórdãos - identidade da situação de facto
1 – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que:
– As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito;
– Que as decisões em oposição sejam expressas;
– Que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas.
2 - A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos. Se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP, salvo quando, apesar de os casos concretos apreciados apresentarem particularidades diferentes tal não impede que a questão de direito em apreço nos dois acórdãos seja fundamentalmente a mesma e haja sido decidida de modo oposto.
3 - Dificilmente se encontrará oposição relevante no domínio da subsunção dos factos à norma penal incriminatória para concluir ou não pela verificação de determinado tipo legal de crime, que vive essencialmente das particularidades de cada caso, dos pedaços de vida a que cada processo de subsunção faz apelo, em princípio irrepetíveis.
AcSTJ de 03.04.2008, proc. n.º 1006/07-5, Relator: Cons. Simas Santos e AcSTJ de 03.04.2008, proc. n.º 202/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso de revisão - fundamentos - novos factos - novos meios de prova
1 – Nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado, tendo o Código Processo Penal acolhido uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais.
2 – A segurança é seguramente um dos fins do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça, inscreve-se também, parcialmente, o recurso de revisão nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do art. 29.º da Constituição: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos.
3 – São, em síntese, os seguintes os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão:
— Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever [art. 449.º, n.º 1, al. a)];
— Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];
— Inconciabilidade de decisões: entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. c)];
— Descoberta de novos factos ou meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].
— Descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º [art. 449.º, n.º 1, al. e)].
— Declaração, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação [art. 449.º, n.º 1, al. f)].
— Prolação, por uma instância internacional, de sentença vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [art. 449.º, n.º 1, al. g)].
4 – Um facto já investigado pela decisão revidenda não é um facto novo, ainda que tenha sido respondido desfavoravelmente ao recorrente.
5 – O arguido não podia deixar de alegar no julgamento as circunstâncias que conhecia, para vir só invocá-las no recurso de revisão.
6 – Se os elementos invocados no recurso de revisão não põem em causa a justiça da condenação, não abalando sequer a matéria de facto provada, relevante para tal condenação, deve a mesma ser negada.
AcSTJ de 03.04.2008, proc. n.º 422/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência - oposição de acórdãos - identidade da situação de facto - interesse em agir
1 – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que:
– As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito;
– Que as decisões em oposição sejam expressas;
– Que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas.
2 – A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos. Se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP.
3 – Se a ratio decidendi não se encontra na posição sobre a questão controvertida e em relação à qual é invocada oposição de julgados, a decisão favorável no recurso de fixação de jurisprudência não conduziria à alteração a favor do recorrente da decisão recorrida, o que significa que o recorrente não tem interesse em agir.
4 – Tem o Supremo Tribunal de Justiça entendido que também no recurso para fixação de jurisprudência se exige o interesse em agir do recorrente, que este tem necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito.
AcSTJ de 03.04.208, proc. n.º 4272/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

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