Do Correio da Manhã de hoje
Medida controversa
A. Lourenço Martins*
A pretexto de que em Portugal existem muitos reclusos com doenças infecto-contagiosas, especialmente de VIH/Sida e hepatites, e depois de grandes hesitações, a AR aprovou no início deste ano a Lei 3/2007, permitindo a troca de seringas para injecção de substâncias estupefacientes em meio prisional.
Os ministros da Justiça e da Saúde acabam de assinar a regulamentação do Programa Específico de Troca de Seringas, a título experimental e por 12 meses, nos estabelecimentos prisionais de Lisboa e Paços de Ferreira. Destina-se aos consumidores por via endovenosa.
Teremos assim, para já, em duas cadeias portuguesas, o Estado a distribuir seringas limpas para os reclusos se injectarem com drogas “sujas”. Num local em que era suposto não circular droga, nomeadamente entre os condenados pelo crime de tráfico-consumo, parte-se do facto consumado de que circula e incita-se ao consumo limpo. Isto apesar de existirem serviços clínicos específicos e gratuitos, tal como previsto na Lei n.º 109/99, e de ser possível o tratamento de substituição através da metadona ou substância equivalente.
Repare-se na hipocrisia da situação descrita naquele despacho: “a posse, tráfico e consumo de substâncias estupefacientes e psicotrópicos não prescritos por ordem médica constituem actos ilícitos”; porém, a utilização do material de injecção, que o Estado fornece, os produtos e o consumo são da “exclusiva responsabilidade do recluso”.
Exemplificando: ainda que condenado por tráfico-consumo, o Estado, em regime de confidencialidade, vai fornecer seringas limpas para o recluso se injectar com droga de cuja origem na cadeia não se quer saber.
No estudo de uma comissão canadiana – porventura na base das propostas da comissão portuguesa – coloca-se o acento exclusivamente no direito à saúde de que os reclusos devem desfrutar. Esquece-se, todavia, que consumir certas drogas não é um direito de cujo exercício se responsabilize a comunidade.
No mundo, apenas seis países - Suíça, Alemanha, Espanha, Moldávia, Quirguistão e Bielorrússia -, adoptaram tais programas. No momento, a Alemanha começou a proibi-los, quiçá por compreender estarem em causa não apenas questões sanitárias mas outras que têm a ver com a coerência de actuação e a finalidade da política anti-droga.
Como se reconhece naquele estudo, para que tal medida se implante é necessário que haja o apoio da liderança dos escalões superiores. É o que sucede entre nós com a vontade dos ministros envolvidos, do director-geral dos prisionais e também do presidente do IDT. Falta experimentar as “salas de chuto”. Lá iremos…
Porquê estes modernismos precipitados, em detrimento de outras medidas bem melhores para os toxicodependentes reclusos?
* Juiz Conselheiro do STJ (Jubilado)
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