- Senhor X?
- sim, sou eu!
- faz favor de tomar conhecimento dos seus direitos e deveres processuais; tem o direito a mentir, a estar calado, a não dizer nada e a ter sempre advogado, querendo. O resto está aqui descrito neste papelinho, que é para si; está assinado por mim, para atestar que o Sr. foi devidamente informado. Já leu?
- li sim senhor!
- e percebeu, que tem direito a mentir, a estar calado e a não responder?
- percebi sim senhor! e agora?
- agora vou informá-lo do que se passa: o Sr. está aqui, porque o Sr. Y apresentou queixa contra si; o malandro do queixoso, disse que o Sr. cometeu este e aquele crime; e apresentou a seguinte prova documental: este, este e este documento; e nós entretanto, escutamos as suas conversas ao telefone e ouvimos isto, que o compromete;
- é pá! isso é legal?
- lamento mas de facto, um dos raríssimos crimes que admite a escuta telefónica, parece que, eventual e remotamente, possa ter sido cometido por si...
- bolas! e tem a certeza que era a minha voz?
- hummm... bem... a certeza, não tenho...
- então estou mais descansado!
- por outro lado, as velhacas das testemunhas A, B e C, arroladas pelo queixoso Y, disseram todas que sim, que foi você que cometeu os crimes...
- as 3 testemunhas?
- sim...
- associação criminosa, portanto!
- bem... calhando... bom, adiante: também andámos atrás de si, para ver o que fazia; filmámos tudo e fotografámos!
- é pá! e isso é legal?
- ser, é, mas só é utilizável no processo, se fizermos um reconhecimento pessoal...
- ah! então, estou mais descansado!
- Pronto! já foi informado, conforme o Código! Então Sr. X? Quer responder a perguntas que temos para lhe fazer, neste processo-crime? Quer?
- eu?!? eu não! só perante o meu advogado!
- portanto, não quer responder!
- eu?!? eu não disse isso! eu estou aqui, para cumprir o meu papel social de colaboração com a justiça, segundo o novo Código de Processo Penal e em oposição clara e frontal ao abuso policial que vingava antigamente! De facto, o que eu disse foi: só respondo perante um advogado.
- então, arranje um, se quiser fazer esse favor.
- eu fazia... mas não tenho dinheiro, sabe! os jantares! os cavalos! os carros! as assistentes do negócio... uma despesa pegada... há dias, que nem ceio!
- pois... uma maçada processual! Então e se pedir à segurança social?
- eu, pedir, até pedia... mas demora muito tempo, sabe... e depois, com os carros e casas que tenho, das burlazitas que tenho cometido, o mais certo é negarem-me o apoio judiciário!
- malandros! uma pena, de facto!
- pronto... então, terminámos esta entrevista policial?
- sim claro! vamos marcar a diligência do reconhecimento pessoal...
- naaa... não vale a pena incomodar-se Sr. agente! eu não venho, porque não sou obrigado; e se fosse, como não tenho advogado... não me interrogam, sob pena de nulidade!
- pois... de facto... diligências inúteis! olhe... vá-se lá embora; mas diga-me só uma coisa: vai assinar comigo o auto, para eu dizer aqui a que hora terminou, não vai?
- olhe... eu até assinava! mas como não sou obrigado e não tenho advogado... calhando, nem assino, para garantir a nulidade! não leve a mal! mas não trouxe sequer aquela caneta cuja tinta desaparece depois de uns dias...
- compreendo perfeitamente! deixe estar Sr. X! quase que era apanhado desprevenido! não se incomode, que vou informar o Ministério Público.
- queixinhas!
- eu?!?
- não! o queixoso!
- ah! esse diabólico seguidor da seriedade!
-pois... já viu o que ele me arranjou? estragou-me a vida, foi o que foi! olhe... Sr. agente: já agora, tenho um requerimento a fazer!
- diga se faz favor Sr. X!
- quero que o processo fique em segredo de justiça! é que tenho a minha imagem para proteger... e se se souber que corrompo e vendo a mesma casa 30 vezes e fujo ao fisco, o traficozinho... e que vendo imagens de pedofilia é mau para a minha imagem, e neste meio empresarial... a concorrência... sabe como é! a imagem é tudo!
- compreendo perfeitamente Sr. X.
- e já agora: como disse que se chamam as testemunhas?
- A, B e C. Conhece? Sabe onde moram?
- sim claro! eu já trato disso assim que sair daqui... conheço uns "portas" profissionais muito sérios e conscientes do seu trabalho, acabados de sair da preventiva encurtada...
- então, boa tarde!
- boa tarde e muito, muito, muito obrigado Sr. agente!
- de nada!
- acha que leva muito tempo a arquivar o processo?
- penso que não!
- então o que vai fazer agora?
- vou remeter o processo com a sua constituição de arguido para o Ministério Publico, para homologação...
- ahn... nesta Comarca... sim... ahn... ora, estamos em 2007?
- sim.
- pois... então, lá para Março...
- de 2009...
- pois... talvez...
- ora então, com sua licença, vou indo... tenho que vender a casa outra vez!
- vá, vá Senhor X!
- ainda há gente bem educada!
- mais um arguido satisfeito! NÉÉEEEEEXT!!!!!
- boa tarde!
- boa tarde! diga!
- Sou o Sr. Y, queixoso. gostaria de saber, em que estado está o processo contra o Sr. X?
- lamento, mas está em segredo de justiça! acabadinho de requerer!
- eh pá! mas eu não concordo! então e agora?
- agora, tem de arranjar um advogado, requerer a assistência e solicitar ao MP que o processo seja público;
- e ele decide?
- não, mas quase! ainda vai ao juíz...
- ahn... então quando sou ouvido?
- ora, estamos em 2007, o processo deve regressar, pela ordem, lá para 2010...
- pronto, está bem; então vamos aguardar...
- boa tarde e até breve...
[...] "
6 comentários:
Do meu ponto de vista, a alteração legislativa com a inclusão dos seguintes excertos textuais: “...a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.”, “Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstancias de tempo, lugar e modo.” na normas que regulam os interrogatórios judiciais ou não judiciais é louvável e é resultado da exigência jurisprudencial na interpretação efectuada pelo Tribunal Constitucional dos artigos 27º nº 4, 28º nº 1 e 32º da CRP, plasmada em pelo menos, dois acórdãos de douta jurisprudência do Tribunal Constitucional – designadamente, os acórdãos 416/2003 e 607/2003 – no seguimento aliás, de jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e da doutrina portuguesa: da franquia do princípio da máxima garantia de defesa do arguido de Gomes Canotilho e Vital Moreira ao princípio da contraditoriedade de Figueiredo Dias.
Acabou-se o tempo das “indiciações secretas”, as autoridades são, ou pelo menos deverão ser, dotadas de meios científicos, técnicos e materiais, para garantir a preservação da prova, devendo incorrer em responsabilidade criminal, quem tendo conhecimento da prova contra si existente a tentar deturpar ou eliminar.
Falta saber o que a jurisprudência irá entender por: “...sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade...”.
A necessidade de toda esta informação constar do auto de interrogatório, impede ou facilita a arguição de nulidades, consoante inexistam ou pelo contrário, se verifiquem. Deve o governo para realizar estas alterações legislativas dotar os Tribunais de meios técnicos, a duração dos interrogatórios não deixa de ser resultado do “ditado para o auto dos magistrados e advogados”
Não me posso esquecer a experiência que me foi proporcionada nos Estados Unidos da América, em que juiz procedeu a inbterrogatório de 15 detidos numa manhã, sem quebra das garantias constitucionais e com uma simplicidade extrema.
Sobre os interrogatórios, o iluminista CESARE BECCARIA no seu DEI DELLITI E DELLE PENE – tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA para DOS DELITOS E DAS PENAS publicado pelos Serviços de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 148 com o título "XXXVIII INTERROGATÓRIOS SUGESTIVOS, DEPOIMENTOS" – escreveu: “As nossas leis proíbem os interrogatórios chamados sugestivos no decorrer de um processo:…” - desconheço hoje lei que os proíba! – “…isto é, aqueles, segundo os doutores, que interrogam sobre a espécie em lugar de interrogar sobre o género, nas circunstancias de um delito: isto é, aqueles interrogatórios que, tendo uma imediata conexão com o delito, sugerem ao réu uma imediata resposta. Os interrogatórios, segundo os criminalistas, devem por assim dizer envolver o facto, como uma espiral, mas jamais dirigirem-se-lhe em linha recta. Os motivos deste método são, ou para não sugerir ao réu uma resposta que o coloque a coberto da acusação, ou talvez porque pareça contra a própria natureza que um réu se acuse deliberadamente.”
Eu concordo em absoluto com este autor de setecentos, na verdade, em Portugal e em grande parte do mundo, os interrogatórios são o lugar comum:
Pergunta: - Então o(a) senhor(a) cometeu o crime X?
Resposta: - Não!
Pergunta: - O(A) Senhor(a) bem acusado(a) do crime Y, tem alguma coisa a dizer sobre isso?
Resposta: - Não Fui eu!
Desconfio de interrogatórios apressados, em nada contribuem para a verdade, mas neste mundo actual, o tempo é escasso e não parece haver tempo para procurar a verdade material, tudo é, apenas e só, a verdade processual!
A questão é a de saber se o interrogatório é destinado a colher prova contra o interrogado ou dar-lhe a conhecer razoavelmente o que lhe é apontado. Se é um momento de informação com a possibilidade de o arguido fornecer explicações que repute ajustadas á defesa da sua posição ou se é um momento de recolha de provas utilizáveis no processo.
Eu diria que de facto essa é uma questão essencial já não do ponto de vista formal – de como deve decorrer o interrogatório – mas do ponto de vista material, isto é, que valor, que valoração dar ao interrogatório do ponto de vista probatório.
No CPP português os interrogatórios aparecem no título II relativo aos meios de prova, mas será essencialmente um meio de prova para o inquérito, que poderá ser utilizado como prova indiciária para arquivar ou acusar, excepcionalmente, e nos casos muito restritivos previstos no art. 356º do CPP, poderá ser utilizado em Julgamento.
No que toca ao inquérito, e para impedir a vaga de acusações improcedentes que pelos nossos Tribunais proliferam, no meu modesto entendimento, os actos de inquérito, designadamente, interrogatórios, inquirição de testemunhas, reconhecimentos deveriam ser realizados pelos magistrados do Ministério Público.
Chega a ser patética a forma como esses actos decorrem, a título de exemplo, reconhecimentos de dois arguidos com 18 anos de idade efectuados no mesmo momento com a colocação ao seu lado de três elementos dos órgãos de polícia criminal, isto gera proibições de valoração de prova.
A justiça faz-se com profissionais competentes e devidamente esclarecidos e não com profissionais que confundem “jurisdição” com “jurisprudência” e que não se dão ao trabalho de ler o CPP.
Ao António Madureira: fala em "vaga de acusações improcedentes". IMporta refletir o porquê. Algumas achegas: porque é que os SRs. Inspectores não gostam que se arquivem inquéritos e só parecem ligar ao nº de acusações?Eu acho que é melhor um inquérito arquivado que uma acusação de fraca prova...mas cobram-nos tal postura. E os inquéritos mal realizados, já sem prazo possível? É muitas vezes, fruto da falta de tempo, e da desmotivação que grassa junto dos procuradores adjuntos, mais fácil acusar sem necessidade de o justificar, que arquivar com um despacho fundamentado. E a prova que os Srs JUízes, tão legalistas - no mau sentido - sem cuidar da justiça material mas tão só de um processado limpo para nao haver recurso possível, exigem? E as condições de trabalho que temos para o fazer? É mto bonito falar em competência, mas para fazer formação, nomeadamente no CEJ, temos que pagar integralmente a viagem e o hotel, e deixar os processos à nossa espera no gabinete. E para quê? Todos nos "batem", ninguém nos incentiva. Promoção? NO ano 5000...
Onde está o salário emocional? E o fisico, já agora?
É de todo interessante falar em o MP realizar ele próprio os inquéritos, eu até gostaria. Mas posso? Vejam o nº de inquéritos para cada magistrado no DIAP do POrto, por exemplo, e diagm lá se é possível. Se o legislador, em vez de falar em validação de interrogatório realizado pelos OPC desse condições para ser o MP a fazê-lo andaria melhor... EStamos cansados de ser "pau para toda a obra" e calados, senão...
Enviar um comentário