Já decorreu um certo tempo sobre a auto-análise do Ministro da Justiça (26 de Fevereiro passado) relativa às medidas para a Justiça, decorridos dois anos de Governo.
Creio que a generalidade das pessoas que trabalham nos tribunais e os cidadãos que os frequentam ficaram surpreendidos.
Pensei que se tratava de algum estudo de entidade independente e fiquei à espera da sua divulgação.
Como nada saiu – e lembrei-me do “estudo” sobre as vantagens da redução das férias judiciais -, resolvi procurar no site do Ministério. Lá encontrei uns slides que terão servido de base à apresentação, com as percentagens publicitadas e alguns escassos números, ainda assim incidindo predominantemente sobre a matéria cível.
Aquilo que se quis passar para a opinião pública foi que se inverteu a tendência de subida dos processos pendentes, e que tal pendência desceu em 6.675 processos, o que corresponde a menos 0,4% de processos pendentes em 1 de Janeiro de 2006 face ao ano anterior.
Num documento do sector das Estatísticas consta a indicação de que em 31 de Dezembro de 2006 o número de processos pendentes nos tribunais judiciais de 1.ª instância era de 1. 591 781.
Para espanto geral, veio afirmar-se que devido ao encurtamento das férias judiciais, o número de processos findos nos meses de Julho Agosto e Setembro de 2006, comparado com 2005, aumentou 57,3% (em números, os processos findos passaram de 81.654 em 2005, para 128.445, ou seja, mais 46.791). Se houve este ganho nas férias, como é que apenas se diminuíram as pendências em 6.675? Então houve perdas em outros períodos?
Como pista de raciocínio, vejamos dois exemplos de medidas de descongestionamento do actual Governo: a partir de 1 de Janeiro de 2006, o Estado passou a promover a extinção de todas as acções executivas por dívidas de custas judiciais até €400, instauradas antes de 30 de Setembro de 2005; por outro lado, o Estado propôs incentivos excepcionais à desistência de acções, pelo que cresceu 63% o número de acções declarativas findas por desistência ou transacção com valor da causa inferior a €1.000.
Ignoramos, no balanço feito, quais as unidades que correspondem a estes processos findos por custas não cobradas, por desistência ou transacção ou por outros motivos do mesmo tipo. “Matar” estes processos entende-se como produtividade? E quantos destes e de casos semelhantes (como no cheques sem provisão), terminaram no período de Julho a Setembro? Aqui como em outros aspectos resta explicar quais foram as categorias de processos findos.
Como é sabido, o Governo havia proposto um conjunto de medidas para afastar acções dos tribunais ou impedir a sua entrada, com reflexos especialmente na Justiça Cível.
Disse-se nesta auto-avaliação: “é a primeira vez, em mais de 10 anos, que o número de processos cíveis findos (492.834) é superior ao número de processos cíveis entrados (472.639)”, ou seja, em 2006 houve menos 20.195 processos cíveis pendentes nos tribunais, o que se ficou a dever a uma redução da procura (menos 14.103 processos entrados do que em 2005) e a um aumento da produtividade de 7% (mais 9.322 processos findos do que em 2005). Mas então houve aumento de pendências no sector criminal e laboral, como já acima se deixava perceber?
Que entraram menos processos cíveis em 2006 parece ser um facto, embora seja estranho que haja 67.308 pendentes que “correspondem a um acerto”, dizem os estatísticos.
E esses 6.675 processos de saldo, insistimos, correspondem a processos “mortos” pelas medidas de descongestionamento ou “resolvidos”? No caso de resolução, em que percentagem? Aqui sim, seria produtividade. E o número de magistrados e funcionários aumentou ou diminuiu neste período? E se houve aquele aumento de “produtividade” nas férias porquê admitir-se que se pode recuar na medida?
Se o Governo conseguiu que os tribunais fossem menos inundados de processos pode ser motivo de alguma satisfação: depende de saber se os cidadãos terão passado a ficar mais bem servidos ou se as medidas têm bom fundamento racional (se cobrar pequenas dívidas pela máquina judicial custa ao Estado mais que as dívidas cobradas é medida racional, não sei se justa). Passar uma conduta de contravenção a contra-ordenação e enviar o processo respectivo para fora dos tribunais já se sabe no que muitas vezes deu – montes de processos em outros lugares ou “redução” do número de infracções por desinteresse na participação.
Espera-se que as Estatísticas da Justiça – que para o efeito da “Avaliação” foram tão rápidas – coloquem ao dispor do público todos os dados que permitam fazer uma análise isenta. A realizada pelo Ministério autor das medidas, teve o sabor de propaganda interna, com o selo do Primeiro Ministro.
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