sábado, 27 de janeiro de 2007

Blogs, cultura e sociedade


Todos sabemos que há por aí muitos blogs em que as pessoas despejam, especialmente em comentários, toda a espécie de mau génio que lhes sai descontrolado, perfídias, suspeições, coisas que não diriam no seu círculo de amigos ou conhecidos. E que não merecem obviamente qualquer “investigação”. Seria a isto que o Procurador-Geral da República se referia na gravação que o “YouTube” difunde e este blog muito bem recupera. Será uma questão de civismo (ou falta dele).
Mas perpassa pela sua resposta à pergunta feita na AR – que, aliás, se desconhece em concreto – um certo desdém sobre os blogs em geral e as "modernices" das novas tecnologias que lhe andam associadas. Se é assim, como parece, então tudo fia mais fino.
Como é possível neste tempo que vivemos alardear um soberano desconhecimento sobre matérias hoje no topo das preocupações, no caso a informática e as telecomunicações?
Refiro apenas dois pontos.
Acabo de ler algures que se deseja introduzir no currículo dos primeiros anos do sistema educativo a matéria da protecção jurídica dos dados pessoais, aspecto que obviamente só passou a ser um fenómeno preocupante a partir do tratamento da informação por computador. A nosso ver, é bom fazer acompanhar o ensino do manejo do computador, que se faz no básico, com o alerta para os problemas que a informática suscita.
Por seu turno, a cibercriminalidade, objecto de uma Convenção que Portugal subscreveu em 2001 e tarda em ratificar, penetra hoje a maior parte da criminalidade mais grave, de índole internacional ou transnacional. Não estamos a falar apenas de pedofilia, mas de branqueamento de capitais, de corrupção e toda a criminalidade económico-financeira afim, e também da preparação dos grandes atentados terroristas que obviamente fazem uso das redes privadas e públicas de telecomunicações, mesmo com o polémico Echelon a funcionar.
Quer se goste quer não, com mais ou menos jeito, estas matérias não podem ser ignoradas ou minimizadas. E merecem a especial atenção de muitos magistrados do MP, que não confundem uma parte dos blogs com o seu todo.
A respeito do seu peso no contexto da comunicação social, caiu-me sob os olhos o livro de Giuseppe Granieri, “Geração Blogue”, da Editorial Presença, 2006 (tradução), onde se encontra eco, entre muitas outras coisas, da influência dos blogs sobre outros meios de comunicação, o que podem significar de barómetro de opinião e do interesse sobre determinado tema, às vezes abandonado pela imprensa mas que a blogosfera obriga a retomar. Diz-se em certo passo (p. 108): “Não é por acaso... que hoje a alfabetização digital faz parte integrante da alfabetização e se encontra entre as prioridades dos programas de governo quase em toda a parte. O papel da Rede na história dos meios de comunicação de massas e da sua relação com a educação é muito claro: a Internet tem a função de remeter os indivíduos para uma participação activa no processo de compreensão e construção da cultura e da sociedade”.
São estas novas tecnologias - é verdade que nos colocam em desvantagem com os mais jovens -que nos permitem apreciar, em tempo real, opiniões de que discordamos e que podemos livremente objectar, sem formalidades, ainda quando emitidas por pessoas por quem se tem consideração.

1 comentário:

L.C. disse...

Excelente intervenção.
Também estou em crer que o Senhor PGR se quis referir mais ao mau uso que, muitas vezes, se faz dos blogs, defeito comum aos demais meios de comunicação, do que a estes mesmos como veículo de liberdade de expressão. E que essa aversão ao que, muitas vezes, se escreve nos blogs, se não confundirá com a necessidade de reconhecer a realidade inafastável da cibernética e de tudo o que lhe vem associado, para o bem e para o mal.