segunda-feira, 9 de outubro de 2006

O novo PGR e o Ministério Público

Pelo Juiz Conselheiro A. Lourenço Martins, no Correio da Manhã de hoje:

Sob proposta do Governo, o Presidente da República nomeou o conselheiro Pinto Monteiro como novo procurador-geral da República para um mandato, em princípio, de seis anos. O primeiro-ministro ouviu os partidos da Oposição, reconhecendo assim que aquela nomeação correspondia a um assunto principal de interesse público, nos termos constitucionais.

Até ao momento, o ambiente generalizado de consenso é favorável ao novo PGR, pondo de lado a irrelevante dissonância ‘pessoal’ do vice-presidente do CSM.

Todos olham para o que tem sido ultimamente o Ministério Público e o que se espera de mudança.

A noção daqueles que conhecem o MP com alguma profundidade, avaliada sobretudo pelos processos criminais mais importantes, porventura esquecendo o peso da defesa de outros interesses do Estado, é tendencialmente negativa. Em casos de elevada repercussão mediática, o MP, com ou sem a PJ, fez entradas de grande vulto, mas, no final, os resultados nem sempre têm sido proporcionais.

São muitas as dificuldades que o novo procurador-geral vai encontrar: um deficiente conhecimento dos representantes do Ministério Público e das suas tarefas; um amolecimento geral da hierarquia; a necessidade de reorganização e de modernização das estruturas.

Ninguém bem intencionado questionará a autonomia do Ministério Público, a qual tem permitido tentar que todos os cidadãos sejam iguais perante a lei. Claro que aqueles que podem socorrer-se de bons advogados acabam por ser ‘mais iguais’. Mas o novo procurador-geral não pode deixar de acentuar aquela autonomia, afastando as queixinhas de falta de meios que outrora fizeram carreira, especialmente a propósito da frouxidão da luta contra a corrupção.

A interpretação do Estatuto do Ministério Público tem merecido uma leitura que privilegia a Procuradoria-Geral em detrimento do MP no seu conjunto. Isso fez com que a opinião pública concentrasse no PGR toda a responsabilidade pelos sucessos ou insucessos do MP, constituído por cerca de 1300 magistrados, distribuídos em rede pelo País através das procuradorias distritais e procuradorias da República.

A meu ver, é tempo de restituir a responsabilidade a cada um dos degraus hierárquicos, sob o pulso firme do PGR. Este é responsável pelo comando de toda a estrutura, mas não mais do que isso... e já é muito.

Adivinham-se algumas questões concretas imediatas para o novo PGR: a escolha de um gabinete eficiente e descomprometido e de um vice-procurador-geral que lhe transporte o conhecimento do interior da Casa. Um relacionamento adequado com a Polícia Judiciária e os restantes OPC e um impulso para que o julgamento Casa Pia chegue rapidamente ao fim seriam bons sinais.

Mas, se os políticos quiserem comprometer em grau mais intenso o PGR, então devem rever o Estatuto de 1998, desenhando com mais nitidez, em contraste com o Conselho Superior do Ministério Público, os seus poderes e consequentes responsabilidades.

9 comentários:

Simas Santos disse...

Revejo-me inteiramente no artigo do "nosso" ALM.
Com efeito,o Ministério Público na conformaçäo que lhe era dada pelo Estatuto Judiciário viu, na sequência do 25 de Abril, o seu estatuto e organização fortemente alterados pela Lei n.o 39/78, que aprovou a LOMP (Lei Orgânica do Ministério Público - LOMP).
Além do mais, a hierarquia até então estabeleciada, directamente, da base ao topo, de forma a que o Pocurador-Geral da República podia então despachar pessoalmente processos no mais recôndito dos julgados municipais, que entäo existiam, foi profundamente alterada.
Com efeito, com a LOMP, o Ministério Público, embora continuando a ser caracterizado como uma mgistratura fundada na hierarquia, viu essa hierarquia ser compartimentada em patamares: Procuradorias da República na 1.ª Instância, Procuradorias-Gerais Distritais nas Relações e a PGR.
Esta estrutura que deu um papel fundamental às Procuradorias da República, enquanto unidades de base em contacto directo com a realidade do País, nas diversas zonas, assentou na responsabilidade dos magistros em relação aos magistrados do grau superior e na direcção e solidariedade destes para com aqueles.
Na construção dessa de concepção era da maior importância e inetresse a chamada hierarquia por patamares, em que os magistrados de cada um deles era responsável pelo que se passava no seu sector e dele conhecedor.
Entretano, desvalorizaram-se, por factores conjunturais, forte e inaceitavelmente as Procuradorias da República, com a figura dos Procuradores Coordenadores, despidos de verdadeiros poderes de hierarquia e direcção, a quem está também atribuido directamente trabalho processual, dificilmente compatível com as suas verdadeiras funções.
O fortalecimento e responsabilização dos escalaões intermédios do MP é crucial para a sua eficácia e o reconhecimento do seu papel.
E poderá retirar dos ombros da PGR de grande parte da carga que desnecessaria e inadequadamente a têm submergido em primeira instância e permitir-lhe, se necessária, um noutro tipo de intervenção, designdamente correctiva da informação prestada.

josé disse...

Muito bem. No entanto, esta sabedoria fica por aqui, entre entendidos.
Quantos jornalistas judiciários e directores de jornais, percebem isto que ficou aqui muito bem explicado e escrito?

No entanto, são esses quem comunica as notícias; quem veicula a informação de determinada maneira e quem acaba por condicionar a opinião pública em relação aos fenómenos judiciários.
COmo tenho já escrito, em França ou na Itália, isto não acontece porque os jornalistas são mais competentes e melhor apetrechados técnica e intelectualmente. Basta ler o Monde, o La Repubblica ou outros.
Então que se pode fazer ou poderia ter feito?
Esclarecer. Mostrar. Dar a ver. Tendo em conta que o tempo mediático é muito diferente do tempo processual.
Essa lição de "Esclarecer, mostrar e dar a ver", parece que agora foi apreendida, pelo que se pode ler em declarações de responsáveis.
E contudo, quantos anos passaram? E contudo, será que aprenderam mesmo?
Acho que não, sinceramente. E acho que os erros vão repetir-se, tarda nada.

josé disse...

O verdadeiro Heródoto teria procurando, antes, documentar-se e reflectir sobre a visão histórica da magistratura e chegaria depressa à conclusão que quase todos os actuais Juízes conselheiros passaram pelo "aviário" do MP, no início da carreira, porque era assim que se começava.
Actualmente, porém, tenho alguma dificuldade em perceber como é que o verdadeiro Heródoto, escreveria sobre os conselheiros que nem sequer passaram pelo "aviário", quanto mais pelos poleiros do poder judicial. A Prazeres Beleza, por exemplo e outros exemplos que aí virão, de acordo com as medidas anunciadas, e que obviamente trazem muita água no bico.

Se entendermos o STJ como um poleiro em que os galos de crista se destacam pela visualidade do penacho, então percebe-se a distinção com os que vêm do aviário.
Está estudada também, entre os animais de capoeira e não só, a função dos penachos. Entre os pavões, por exemplo, é argumento vital para o acasalamento.

Por outro lado, e mais importante ainda, o Heródoto antigo, dedicou-se ao estudo das guerras do Peloponese.
Como é sabido, a Persia de então, pretendia a hegemonia na região e os obstáculos mais óbvios eram Atenas e...Esparta. Unidas, resistiriam. Divididas, abriam o caminho à Persia e ao fim da cultura de Atenas.

Para meio entendedor...boa palavra basta. (Embora preferisse ao contrário e nem fosse precisa a palavra).

josé disse...

É de facto difícil a comunicação se os códigos de linguagem não forem compreendidos pelas duas partes que dialogam. Vou deixar então os calembours e os trocadilhos e cingir-me ao essencial da comunicação: a apresentação de razões concretas.

Depois da separação das magistraturas, ficou ainda assim aberto o caminho para a junção, no topo. É assim ou não é?

Alguns juízes nunca se deram bem com o sistema e sempre o contestaram. Mas fizeram-no sempre com razões de circunstância: pessoal ( porque isso lhes barrava o caminho que queriam livre e sem concorrência) e até institucional, por entenderem que a magistratura do MP, sendo de outra índole, nada teria a ver com a pureza da função judicial.
Ora esta última razão, tendo um substracto particular e ligado a uma concepção elitista no pior sentido da expressão, não me merece grande acolhimento.
Para entendermos verdadeiramente quais as razões de fundo para se impedir com fundamentos válidos o acesso de outrém que não os juízes de carreira ao STJ, teríamos que perceber quais são essas razões de fundo.

O meu caro historiador, consegue enumerá-las?
As razões que apresentou já as conheço bem. Agora faltam as verdadeiramente convincentes e sérias, susceptíveis de serem aceites por toda a gente capaz de pensar com dois dedos de testa.
Consegue ser juiz em causa própria?!

josé disse...

Caro basófias:

Temo bem que o meritíssimo não entenda tudo.
Os argumentos de mérito resumem-se aos mais simplistas ( ia escrever "de umbigo à mostra", mas não escrevo porque prometi que não entraria em linguagem metafórica):
"de juízes só têm o nome, pois els são visceralmente "ministério público" e qpenas quiseram "apanhar-se" no STJ...juízes conselheiros sim mas...de aviário"

A menção a "juízes de nome", reflecte uma noção de que há juízes com nome e fazenda( lá estou eu...)ou seja, com nome de juízes porque assim escolheram no CEJ ou, antes dele, através de escolhas outras e assim fizeram a carreira a julgar e a assumir o estatuto da independência, inamovibilidade e irresponsabilidade, criando uma espécie de currículo que os distingue dos demais juristas, atribuindo-lhes um saber que outros não têm e nunca poderão vir a ter- o que ainda é pior como anátema.
No entanto, esse estatuto que confere de facto uma responsabilidade tremenda para com a consciência, a moral individual, a ética e até a auto-avaliação ( as inspecções judiciais não vão sindicar o mérito da decisão concreta), deveria servir de ponto de referência para uma elevação de espírito e uma atenção a valores mais altos.
Mas não! Serve essencialmente para argumentar, dizendo que os juízes do Supremo que chegam ao STJ por força da lei que existe, são..."juízes de aviário"!
Que se discuta a qualidade de certas decisões, e se avaliem os conhecimentos técnico-jurídicos, distinguindo-se até a preparação técnica de magistrados de um tribunal superior, ainda vá lá.
Mas que se discutam estes assuntos, situando-se num imaginário poleiro de galináceos ( desta vez a culpa da metáfora nem é minha), em que os galos mostram o penacho para se afirmarem perante outros galináceos, isso só pode reflectir a mediocridade deste tipo de análise.
E que me desculpe o historiador que, aliás, nem se digna responder a estas invectivas, convencido que está do brilho excelso da sua penugem( é mais forte do que eu...e isso é dizer muito, acreditem) e assim lhe basta o vitupério que obviamente só o diminui ( e se calhar injustamente).

MIM disse...

Esta também é do melhor que há:
«depois de uma longa carreira no MP, e em vez de se "contentar" com a SUA "Magistratura" - QUE ESCOLHEU!!! - não senhor: ele vai "atirar-se" para os braços da Magistratura Judicial, leia-se "STJ"»
Portanto, o STJ é da NOSSA magistratura. O STJ é nosso, dos juízes das instâncias.

Melhor, ainda, é que parece estar implícito. É como quem diz:
‘Eu aceito que outros juristas de mérito acedam ao STJ; agora, MPs mal cheirosos (com cheiro de aviário) é que não’.

Caro José, por que é que dá conversa a este senhor?

MIM disse...

Já agora
Chegou a primeira crítica ao novo PGR: Pinto Monteiro é oportunista porque "não se contentou com a sua magistratura".

josé disse...

Caro Paulo Faria:

Não se trata de dar conversa, mas apenas de alimentar uma forma de discussão. E que me agrada também, até certo ponto.
Resta saber se os animadores do blog estão pelos ajustes...mas se não estiverem, estão sempre a tempo de o dizer.

O historiador antigo procurava a verdade histórica (uma certa verdade) e ensinou-nos algumas coisas com isso.
Este, que se apoderou do nome, não tem em conta a história e avança opiniões sem grande consistência, mas que são as de muito e muitos juízes que conheço e não conheço.

Este problema começou logo no CEJ, a partir de meados dos noventa, com a saída de Laborinho para o ministério da Justiça e com uma formação que incentivou este modo de olhar as magistaturas, separando-as à nascença.
Nessa altura, havia ( e continua a haver) alguns que entendiam que se deveria regressar ao passado da magistratura do MP como vestibular.
Outros não chegaram a interiorizar a natureza das duas magistraturas e a distinção que entre elas se deve fazer.

Para quem se iniciou no CEJ, vindo das faculdades de direito, onde nada disto se aprende ou ensina, tendo na bagagem intelectual, além de pouco mais, a ambição de "ser juiz", é duro olhar para o lado e ver uma magistratura paralela que irá tolher o passo de quem quer avançar até ao fim...mais à frente.

É essa a mentalidade de muito juiz que se iniciou na carreira, com um horizonte muito estreito e sem admitir paralelismos ou concorrências no caminho para os supremos.

Estas discussões não são de agora. Lembro-me de há já alguns anos as ter com um juiz que anda pelo Funchal e que já escreveu no Público, chamado Paulo Pereira GOuveia.
Leiam o que ele escreveu e vejam que é exactamente o reflexo da mentalidade de todos os heródotos desta história paralela.

E só falo nele, porque foi o primeiro juiz que vi a escrever desse modo sobre esse assunto.

Esta discussão náo se faz em modos minimamente sérios em lugares de relevo.
Pode haver quem reflicta nisto e pode haver até quem escreva. Mas fazem-no em lugares muito reservados e sem acesso da opinião pública o que prejudica o diálogo necessário.
Numa era de comunicaçáo de massas, é preciso que as elites aprendam a comunicar com as massas.
Em blogs, em jornais e em entrevistas nos media.
Nos outros países mais desenvolvidos é assim.
Todos os que viram o programa Prós e Contras, sobre a Justiça, repararam que o professor Costa Andrade confirmou ser a primeira vez que apareceu na tv a falar sobres esses assuntos.
Figueiredo Dias nunca apareceu!
Germano Marques da Silva, de um modo assinalável também não.
Faria Costa, nem se fala!
Os juristas da FDUL náo se conhecem.
E quanto a juízes toda a gente conhece...o Eurico Reis!

Será preciso dizer muito mais do que isto?
É por isso que aprecio o Heródoto de Helicarnasso como apreciaria qualquer Sócrates ou mesmo Aristóteles.
Para náo falar em Cícero ou Tucídides.

Simas Santos disse...

O anonimato que os blogs permitem tem também desvantagens.
E uma delas é seguramente o aparecimento de personagens como a que se apresenta com o nome honrado de Herodoto de Halicarnasso.
Por ele não responderia, atitude que normalmente assumo perante intervenções como a que ele trouxe a este Post.
Com efeito, tratava-se de dar algum contributo crítico a propósito da tomada de posse do novo Procurador-Geral e das necessidades de mudança do Ministério Público.
E que veio aquele comentador fazer? tratar de assunto diverso: a origem do autor do Post e do 1.º comentário, que poderia ele sim abrir um outro tema a merecer honras de Post autónomo: o recutamento de juízes para o Supremo Tribunal de Justiça.
E sobre esse tema já tive ocasião de me pronunciarem dois artigos publicados na Revista do Ministério Público:
- Supremo Tribunal de Justiça, Natureza, funções e acesso, Direito comparado, n.º 45, pág. 147
- Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, Magistrados do Ministério Público, n.º 46, pág. 105.
Assim não voltarei a tal tema, ao menos aqui.
Mas não só aquele comentador mudou de tema como, aproveitando o anonimato, dele se ocupou da forma como o fez, tratava-se de de pessoas que «de juízes só têm o nome», «visceralmente ministério público», «que apenas se quiseram "apanhar" no STJ...», «juízes conselheiros sim mas...de aviário!», «...isto é um pantanal...».
Que linguagem, que conceitos, que metodologia!
E dirige-se ele a dois juízes conselheiros do STJ que não só foram magistrados do MP, mas também juízes de direito por tempo significativo, tendo feito a formação legal de então para entrar nas duas magistraturas (do MP e judicial).
Do mérito para o acesso reza o processo do respectivo concurso curricular.
O mérito do exercício das funções de conselheiro está felizmente sujeito ao escrutínio permanente e universal, dado o advento das bases de dados informáticas.
Como é evidente, este comentário não é uma resposta, mas uma delicadeza pelos restantes comentadores deste Post que tiveram a disponibilidade democrática de intervir...