A descriminalização do consumo de droga a partir do ano de 2000 trouxe, como era previsível, um aumento do consumo.
O Governo está em vias de consolidar um novo Plano Nacional contra a Droga (2005/2012). O anterior “caducou” em finais de 2004, pelo que há cerca de ano e meio que se vive sem Plano. Vou concentrar-me em dois pontos.
1. O objectivo legal dos programas de “consumo vigiado”, assim chamados pelo Decreto-Lei n.º 183/2001, vulgo “salas de chuto”, é o incremento da assépsia no consumo intravenoso e consequente diminuição de riscos inerentes, bem como a promoção da proximidade com os consumidores. Devem ser da iniciativa das câmaras municipais ou de certas entidades particulares, e são autorizadas pelo IDT.
Prevista a hipótese há mais de cinco anos, nenhuma autarquia se aventurou a pedir a sua criação – houve duas recentes tentativas frustradas na C.M. Lisboa –, o que dá uma ideia da consistência desta necessidade.
Apesar disso e do seu aparecimento fortuito no novo Plano, é estranho que de entre uma enorme variedade de medidas aí referidas esta mereça tanto destaque, desde logo por parte do presidente do IDT em reiteradas declarações públicas.
A descriminalização do consumo de droga a partir do ano de 2000 trouxe, como era previsível, um aumento do consumo. Dois estudos mencionados no novo Plano evidenciaram, aumentos dos consumos de várias drogas, com excepção da heroína, o que combina com as excepcionais apreensões de cocaína no ano de 2005 em Portugal e Espanha e se repetem no corrente ano.
Criou-se a percepção de que consumir droga não traz quaisquer consequências sancionatórias. E o próprio Plano vem corroborar – o que está adquirido há mais de dois anos – que as Comissões de Dissuasão no figurino actual são um falhanço. Porquê a insistência nesta medida tão controversa?
Nem argumento com a afronta ao regime das convenções nem com o facto de o apregoado controlo de doenças infecto-contagiosas não garantir que os toxicodependentes não venham a utilizar seringas infectadas fora das salas.
Haver lugares em que os toxicodependentes, sob sua responsabilidade mas apoiados pelo Estado, tomem as drogas que adquirem no mercado ilícito, é um contra-senso.
2. O Ministério da Saúde tomou conta da política antidroga, quer na coordenação quer na composição das comissões ou grupos que estudam determinados temas. Foi assim com a Comissão para a ENCD de 1998 e continua no exemplo da Comissão (2006) sobre as doenças infecto-contagiosas em meio prisional.
Efectivamente, o epicentro de tal combate reside na Saúde mas há outros saberes e sensibilidades que devem ser acolhidos. Se a maioria se limita a explorar a sua legitimidade, direi como Hans Kelsen que a democracia não é uma regra da maioria mas um compromisso entre grupos representativos da maioria e da minoria, em favor da paz social.
Comissões plurais e independentes são um caminho para se alcançarem leis justas e aceites pela generalidade dos cidadãos.
A. Lourenço Martins, Juiz Conselheiro do STJ (Jub), no Correio da Manhã de hoje
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