segunda-feira, 29 de maio de 2006

"Não se descredibilize o sistema judicial”

O Conselheiro Simas Santos alerta que em Portugal “os juizes vivem na clandestinidade”
“O Governo não pode ser um elemento de descredibilização do sistema judicial”, afirmou o conselheiro Simas Santos, anteontem à noite, numa tertúlia promovida no Café Majestic, no Porto, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
O juiz do Supremo Tribunal de Justiça fez aquele desabafo traduzindo o desagrado dos magistrados judiciais e do Ministério Público, perante a ideia lançada pelo Governo de que são “calaceiros” e “só se preocupam com as férias”. “Nos Estados Unidos os juízes são respeitados e dizem a lei, mas aqui os juízes vivem na clandestinidade”.
Preocupado com o facto de o poder executivo propor alterações atrás de alterações “sem discutir o modelo”, Simas Santos acentuou: “Se é o modelo que está mal, então mude-se o modelo, mas não se descredibilize o sistema judicial”.
O conselheiro realçou que a morosidade não é um fenómeno que afecte todos os graus de jurisdição, lembrando que nas relações e no STJ as decisões dos recursos são expeditas. Mas também admitiu a necessidade de os juízes do tribunal dos tribunais redigirem as suas decisões com clareza, para evitarem juízos injustos quanto ao sentido dos acórdãos.
Simas Santos desmentiu com a sua experiência pessoal uma crítica feita pelo presidente do conselho distrital do Porto da Ordem dos Advogados (OA), que preconizou o fim das audiências nos tribunais superiores. “Quando lá vou, alego e passadas duas/três horas, o acórdão é depositado na secretaria”, assegurou Silva Leal. “Já elaborei cerca 600 acórdãos e leio-os na semana seguinte à audiência”, garantiu Simas Santos.
Num aspecto conselheiro e Santos dirigente da OA estiveram em consonância. Silva Leal revelou às dezenas de participantes na tertúlia “Tenho ouvido desembargadores pugnar pelo de fim dos recursos da matéria de facto, o que considero um retrocesso e que, a consumar-se, violaria os direitos de defesa dos cidadãos”. Simas Santos acabaria por subscrever estas preocupações acentuando que “as Relações estão a ter muita dificuldade para apreciar a matéria de facto. Há uma rebeldia”, frisou.
(...)
ANTÓNIO ARNALDO MESQUITA, Público 28Mai2006

5 comentários:

Miguel disse...

Como jovem advogado que sou, apenas aleguei perante a Relação do Porto. Por isso apenas reporto a minha experiência neste Tribunal.
É um facto indesmentível que a grande maioria dos Acordãos são depositados duas horas após a alegação...não há modo de fugir a este facto.
Agora se isso é bom ou mau...cabe a cada um avaliar!

Miguel disse...

É bem verdade...e as mais das vezes apenas se "pede justiça"...e as mais das vezes os desembargadores e procuradores nem ouvem atentamente...o tal "faz de conta" é praticado todos os dias pelos operadores judiciários (Advogados incluídos)...e o que dizer dos muitos julgamentos ou alegações realizados com os Advogados - Estagiários que nada sabem do processo no qual participam? Isso não será fazer de conta?

Simas Santos disse...

Importa considerar, e foi o que fiz na Tertulia, que o sistema pode ser aplicado de outra forma, sem "faz de conta", ouvindo atentamente, sumariando e apreciando as posições assumidas em alegações orais pelo arguido, assistente e Ministério Público.
Obviamente que, para potenciar a discussão no colectivo, tem se ser elaborado um projecto ou, pelo menos, um memorandum, que depois acolherá a discussão havida.

Jorge M. Langweg disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Jorge M. Langweg disse...

Quanto à dignificação do trabalho dos juízes há muito para fazer: em Portugal, pode dizer-se que a maior parte dos magistrados trabalha em autênticas «sweatshops» judiciais (não me refiro só ao calor dos gabinetes - quando existentes - mas também à quantidade brutal de trabalho a cargo de cada um, ao número de horas consecutivas de trabalho e à falta de condições materiais para o labor).

Um letreiro que ficou registado numa página bem negra da história universal, referia «O trabalho liberta».

Em Portugal, à entrada de cada tribunal, só falta o letreiro «O trabalho dignifica».

No entanto, nem o trabalho no campo de concentração dava a liberdade aos presos, nem o trabalho dos juízes portugueses tem contribuído - da forma como merece - para dignificar a imagem da Magistratura Judicial junto da população.

Para reflectir.