Não se conhecem com exactidão os contornos do que sucedeu com a demissão do director nacional da Polícia Judiciária.
Apenas uma breve história do que retive através dos meios de comunicação social.
Vinha-se desenhando, há alguns meses, a existência de pelo menos três pontos de divergência entre o Governo e a direcção da Polícia Judiciária: a deslocação dos gabinetes nacionais de ligação à Interpol e à Europol para a tutela do Ministério da Administração Interna ou mesmo do Gabinete do Primeiro-Ministro; saber quem comanda, no local, as operações relativas a incidentes por crimes graves que ponham em causa a ordem pública; a crise orçamental e financeira da Polícia Judiciária.
Ontem estava aprazada uma reunião entre o Ministro da Justiça e o Director Nacional da PJ, sabendo-se entretanto que o Governo parecia não querer deslocar, por agora, a Europol e a Interpol da PJ para o MAI.
Via-se que o Director Nacional da PJ ia para a reunião admitindo que se esta corresse em contrário das suas opiniões pudesse vir a apresentar o pedido de exoneração. Aliás, constava que alguns ministros mais impulsivos e assertivos faziam saber que não era admissível que a direcção da PJ tivesse opinião pública divergente do Governo e devia ser demitida já !
E acontece o insólito mas de algum modo esperado: antecipando-se aos factos, o Governo demite o Director Nacional da PJ porque tomara atitudes que estavam a “condicionar a liberdade de opção do Executivo”.
Porque a procissão ainda vai no adro, tão-só dois comentários.
O dever de reserva no relacionamento entre altos cargos do Estado não pode ser levado ao extremo de impedir o director nacional da PJ de se pronunciar publicamente sobre matérias de manifesto interesse nacional – por exemplo, é de vital importância saber onde vai sedear-se a fonte mais importante de informação criminal, nos domínios da criminalidade internacional e interregional. Pois todos se apercebem que a criminalidade mais perigosa na Europa é a internacional ou a regional – terrorismo, tráficos, de seres humanos, de armas, de droga, de viaturas falsificadas, máfias organizadas para a emigração, crimes económico-financeiros – ou mesmo a transnacional. Porque é o principal responsável pela investigação destes crimes, também lhe assiste o direito de defender, no campo técnico, o que entende quanto ao comando de operações em situações de grave alteração da ordem pública mas ao mesmo tempo de prática de crimes graves e violentos.
Se ia haver uma reunião para discutir esses e outros assuntos onde está a respeitabilidade nas relações entre agentes do Estado com esta atitude de antes que peça a exoneração já está exonerado? Isto é razoável? Quis o Governo praticar um acto exemplar? A meu ver, foi exemplar do que não deve ser feito. Uma manifestação da “autoridade” do Estado? Não, a meu ver, uma manifestação de autoritarismo.
E acima de tudo há as pessoas e as instituições – um juiz Conselheiro do STJ, episodicamente à frente da PJ, não deixa de o ser em qualquer momento.
Segundo comentário: parece estar subjacente, de novo e recorrentemente, a questão da passagem da PJ para o MAI, a pretexto de economia de recursos, melhor gestão e afastamento de rivalidades.
Como se sabe, por essa Europa, os modelos são vários e o português não será até maioritário. Mas a pergunta que se coloca será esta: o país vai beneficiar quando se pega num organismo que ao longo de duas décadas tem vindo a subir em capacidade de investigação criminal – agora resguardado para o inquérito dos crimes mais graves, com investigadores a quem se exige uma licenciatura e aturada formação –, e diluí-lo com a PSP, a GNR, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras?
Ou será que no fundo se visa proceder a um controlo mais político da PJ, disfarçado de reforma da Administração? Os cidadãos têm todo o direito/dever de estar atentos e participar na discussão. Especialmente aqueles a quem mais responsabilidades foram confiadas.
Mas que o país perde com este tipo de “guerra” isso parece não haver dúvida.
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