1. “Em face do actual texto constitucional sobre as funções do Ministério Público, entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal), e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias”. Tinha-o escrito em Setembro de 2004, por entender que a situação actual se caracteriza pela existência de prioridades estabelecidas por critérios diversos, não legitimados democraticamente. Por isso, saudei o ponto do Programa do Governo para a Justiça que apontava para a definição, de forma geral e abstracta, pela Assembleia da República, das prioridades da política de investigação criminal.
2. A definição das prioridades de investigação e procedimento criminais terá de respeitar a valoração dos bens jurídicos efectuada pelo legislador constitucional, o princípio da legalidade, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público.
3. A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais introduz um princípio de responsabilidade política: da Assembleia da República, na definição dos fenómenos criminais a que deve ser dada atenção prioritária; do Governo, enquanto condutor da “política geral do país” e responsável pela criação das condições necessárias à efectiva aplicação da política criminal; e do Ministério Público, enquanto magistratura a quem compete dirigir a investigação criminal e exercer a acção penal.
4. O projecto de Lei-Quadro da Política Criminal agora em discussão contém alterações positivas face ao projecto inicial, como sejam a clarificação dos poderes funcionais e de direcção do Ministério Público e a eliminação de um enigmático artigo que previa eventuais alterações futuras, não especificadas, ao Estatuto do Ministério Públicos e às leis orgânicas dos serviços e forças de segurança.
5. Contudo, é absolutamente essencial que ao Ministério Público seja garantido o poder de fiscalizar e tomar as medidas necessárias ao efectivo cumprimento das prioridades de política criminal por parte das polícias, nomeadamente na afectação e gestão dos seus recursos, desde logo porque é o Procurador-Geral da República quem tem o dever de, sobre tal matéria, prestar contas perante o parlamento. Assim como não pode a Lei-Quadro da Política Criminal ser omissa quanto à avaliação e previsão dos meios humanos, técnicos, de formação e financeiros disponíveis e necessários ao efectivo cumprimento das prioridades de política criminal.
6. Para que a definição de prioridades na investigação e procedimento criminais seja compatível com o respeito pelo princípio da legalidade, é necessário: investir na modernização e organização eficaz dos serviços e dos procedimentos, e na formação; que seja feita uma previsão adequada dos meios técnico e humanos que viabilizem a execução da política criminal aprovada; que se apliquem e se aprofundem as soluções de diversão do conflito jurídico-penal e as formas de processo mais expeditas; que, de uma vez por todas, se acrescente a mediação ao instrumentário da justiça penal.
7. A definição das prioridades de investigação criminal – feita à luz dos valores constitucionais, da realidade criminal, da situação social e política do país e dos compromissos internacionais – deve ser objecto de um amplo debate público e de um alargado consenso na Assembleia da República.
Síntese da comunicação que apresentarei hoje na Conferência Nacional organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
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