Conflito negativo de competência — contra-ordenação — competência para conhecer o recurso da decisão da Administração — envio pelo correio — tribunal que primeiro teve contacto com o caso
1 - É competente para conhecer do recurso da decisão da administração o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção e, se a infracção não se tiver chegado a consumar-se é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto de execução ou, em caso de punibilidade dos actos preparatórios, o último acto de preparação (art. 61.º do RGCO)
2 - Considerando-se o facto praticado no lugar em que, total e parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido.
3 - Se a contra-ordenação consiste na omissão do envio, antecedido de autoliquidação e que pode ter lugar pelo correio, para a sede de um serviço de uma determinada importância, não se sabe de onde poderia ter sido a mesma enviada, pelo que se não sabe onde se consumou.
4 - Daí que deva ser deferida a competência ao tribunal que primeiro tomou conhecimento da infracção.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3623/05-5, Relator Cons. Simas Santos
Decisão de Juiz singular — admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
1 – Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação.
2 - Só há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais do tribunal colectivo que visem exclusivamente o reexame de matéria de direito ou do tribunal do júri, pelo que não cabe recurso para aquele Tribunal de sentença (singular) proferida por juiz de 1.ª instância.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3604/05-5, Rel. Cons. Simas Santos
Decisão do tribunal singular — pena até 5 anos de prisão — admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — rejeição do recurso
1 - Estando em causa no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a responsabilidade do recorrente, apreciada em recurso pela relação, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário do art. 347.º do C. Penal, cuja moldura penal abstracta vai até 5 anos de prisão, não é admissível recurso, nos termos do art. 400.º, n.º 1, e), do CPP.
2 - De todo o modo, tratando-se de decisão proferida em 1.ª instância por juiz singular, a sua irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça já resultaria, nomeadamente, do disposto no art. 432.º do CPP, que, no que respeita às decisões de 1.ª instância, só tem como recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, as decisões colegiais
Ac. do STJ de 15.12.2005, proc. n.º 3458/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Recurso para a Relação — impugnação da matéria de facto — nulidade — omissão de pronúncia
Se foi documentada a prova produzida e o recorrente impugnou a matéria de facto dada como provada, obedecendo às especificações dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, não pode a Relação deixar de tomar posição sobre essa impugnação, limitando-se a conhecer da violação de proibição de prova deduzida, sob pena de incorrer na nulidade de omissão de pronúncia.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3207/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Homicídio qualificado — motivo fútil — meio particularmente perigoso
1 – O n.º 1 do art. 132.º do C. Penal contem uma cláusula geral, segundo a qual que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade; e sendo essa a matriz da agravação, sem especial censurabilidade ou perversidade não ocorre a agravação.
2 – Ao lado desse critério aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz uma enumeração aberta, meramente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei “é susceptível”; Indicadores não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador: “entre outras” no segmento final do corpo do n.º 2.
3 – Nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, bastando para tanto que, no caso concreto, que esse indicador não consubstancie a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1; mas que na presença deste último elemento, está-se perante um crime de homicídio qualificado mesmo que se não se verifique qualquer daqueles indicadores.
4 – Independentemente de se verificar alguma das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal, revela especial censurabilidade ou perversidade a conduta em que ocorre:
– a futilidade do motivo que presidiu ao comportamento do arguido (o exercício legítimo por parte da vítima do seu direito de queixa face a uma agressão física do seu sobrinho com a bengala para cegos que usava);
– a traição e deslealdade com que desferiu o ataque (disparando totalmente de surpresa, sem qualquer aviso, com uma pistola contra a vítima que se encontra indefesa e vulnerável sentada num automóvel que acabava de ser travado ao tiro pelo arguido);
– o tipo da arma usada e a forma como o foi (a arma de fogo resultante de transformação usada de forma a não deixar qualquer hipótese à vítima e a não fazer qualquer risco ao arguido, num autêntico “fuzilamento”);
– a frieza com que a conduta foi desencadeada e a reiteração, apesar da a atitude de medo da condutora do veículo e de impotência da vítima;
5 – Se o arguido agiu exaltado e muito irritado pelo facto de o tio se haver queixado legitimamente às autoridades por ofensas à integridade física, com a bengala de cego, e se ter dado inicio ao inquérito e reagiu com uma perseguição implacável de automóvel, disparando tiros em andamento até conseguir imobilizar a viatura que perseguia e então verdadeiramente “fuzilar” o tio, diabético e com graves deficiências visuais, que estava indefeso no interior do automóvel, com dois tiros, agiu com motivo fútil, o motivo perante o qual não se compreende a prática do crime, que resulta inadequado à luz dos critérios normais do homem médio.
6 – À falta de definição legal do que seja meio particularmente perigoso, deve entender-se por tal aquele que simultaneamente revele uma perigosidade muito superior à que normalmente anda associada aos meios comuns usados para matar e seja revelador de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Não pode, pois considerar-se especialmente perigosa a arma usada pelo arguido.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 2978/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Rejeição do recurso em matéria de facto — convite para correcção das conclusões — texto da motivação — nulidade do acórdão — omissão de pronúncia — tráfico de menor gravidade — medida da pena — confissão — controlo em recurso de revista
1 – São inconstitucionais, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento, pelo que a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP (cfr. Ac. n.º 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002)
2 - Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos, sendo insanável a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.
3 – O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. Só essas provas e as que o recorrido e o Tribunal entendam que as contrariam é que são transcritas.
4 – Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.
5 - Como é jurisprudência pacífica e constante, para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação.
6 – Não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
7 – O privilegiamento do crime – tráfico de menor gravidade – dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
– Nos meios utilizados;
– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
8 – Não se verifica uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica, se:
– se tratar de tráfico de duas drogas duras (heroína e cocaína) e que se prolongou por um período significativo de tempo, envolvendo necessariamente quantidades de algum valor;
– se os arguidos utilizaram e serviram prolongadamente de intermediários, numa actividade complexa, bem longe do simples tráfico de rua, visando somente o consumidor final.
9 – Confissão integral e sem reservas é aceitar que se praticou os (todos) factos imputados e os crimes correspondentes.
10 – Não merece censura a aplicação da pena acessória de expulsão ao um estrangeiro, cujos filhos habitam no país natal, estava indocumentado faz 4 anos e, encontrando-se desempregado há vários meses, dedicava-se a traficar estupefacientes, num tráfico já de revenda.
11 – É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 2951/05-5, Rel. Cons. Simas Santos
Recurso para fixação de jurisprudência — oposição de julgados — parâmetros da indemnização cível
1 – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que:
– As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito;
– Que as decisões em oposição sejam expressas;
– Que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas. A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos.
2 – Se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores (idade do lesado, tempo esperado de vida activa, percentagem da incapacidade permanente e vencimento ou rendimento) no cálculo da indemnização a fixar pela perda de ganhos futuros, sendo igualmente de 25% o grau de incapacidade permanente parcial, mas é diferente a situação de acto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP.
3 – Não se pode configurar a fixação de jurisprudência quando a divergência se situa no domínio aplicativo, da subsunção dos factos ao direito, onde as diferenças factuais levam a diferentes (quantitativamente) soluções, sem que se verifiquem diversas interpretações da lei.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 1830/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Desvio de subsídio — medida da pena
1 – Se o arguido dá parcialmente destino ao subsídio concedido diverso daquele para que fora concedido, sabendo que era proibido comete um crime de desvio de subsídio do art. 37.°, n.°s 1 e 3do DL n.° 28/84, de 20 de Janeiro, mesmo que tenha aplicado tal subsídio numa sociedade de que era sócia.
2 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura, no quadro da qual deve ser encontrada a pena concreta.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3258/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 - É competente para conhecer do recurso da decisão da administração o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção e, se a infracção não se tiver chegado a consumar-se é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto de execução ou, em caso de punibilidade dos actos preparatórios, o último acto de preparação (art. 61.º do RGCO)
2 - Considerando-se o facto praticado no lugar em que, total e parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido.
3 - Se a contra-ordenação consiste na omissão do envio, antecedido de autoliquidação e que pode ter lugar pelo correio, para a sede de um serviço de uma determinada importância, não se sabe de onde poderia ter sido a mesma enviada, pelo que se não sabe onde se consumou.
4 - Daí que deva ser deferida a competência ao tribunal que primeiro tomou conhecimento da infracção.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3623/05-5, Relator Cons. Simas Santos
Decisão de Juiz singular — admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
1 – Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação.
2 - Só há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais do tribunal colectivo que visem exclusivamente o reexame de matéria de direito ou do tribunal do júri, pelo que não cabe recurso para aquele Tribunal de sentença (singular) proferida por juiz de 1.ª instância.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3604/05-5, Rel. Cons. Simas Santos
Decisão do tribunal singular — pena até 5 anos de prisão — admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — rejeição do recurso
1 - Estando em causa no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a responsabilidade do recorrente, apreciada em recurso pela relação, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário do art. 347.º do C. Penal, cuja moldura penal abstracta vai até 5 anos de prisão, não é admissível recurso, nos termos do art. 400.º, n.º 1, e), do CPP.
2 - De todo o modo, tratando-se de decisão proferida em 1.ª instância por juiz singular, a sua irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça já resultaria, nomeadamente, do disposto no art. 432.º do CPP, que, no que respeita às decisões de 1.ª instância, só tem como recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, as decisões colegiais
Ac. do STJ de 15.12.2005, proc. n.º 3458/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Recurso para a Relação — impugnação da matéria de facto — nulidade — omissão de pronúncia
Se foi documentada a prova produzida e o recorrente impugnou a matéria de facto dada como provada, obedecendo às especificações dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, não pode a Relação deixar de tomar posição sobre essa impugnação, limitando-se a conhecer da violação de proibição de prova deduzida, sob pena de incorrer na nulidade de omissão de pronúncia.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3207/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Homicídio qualificado — motivo fútil — meio particularmente perigoso
1 – O n.º 1 do art. 132.º do C. Penal contem uma cláusula geral, segundo a qual que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade; e sendo essa a matriz da agravação, sem especial censurabilidade ou perversidade não ocorre a agravação.
2 – Ao lado desse critério aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz uma enumeração aberta, meramente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei “é susceptível”; Indicadores não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador: “entre outras” no segmento final do corpo do n.º 2.
3 – Nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, bastando para tanto que, no caso concreto, que esse indicador não consubstancie a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1; mas que na presença deste último elemento, está-se perante um crime de homicídio qualificado mesmo que se não se verifique qualquer daqueles indicadores.
4 – Independentemente de se verificar alguma das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal, revela especial censurabilidade ou perversidade a conduta em que ocorre:
– a futilidade do motivo que presidiu ao comportamento do arguido (o exercício legítimo por parte da vítima do seu direito de queixa face a uma agressão física do seu sobrinho com a bengala para cegos que usava);
– a traição e deslealdade com que desferiu o ataque (disparando totalmente de surpresa, sem qualquer aviso, com uma pistola contra a vítima que se encontra indefesa e vulnerável sentada num automóvel que acabava de ser travado ao tiro pelo arguido);
– o tipo da arma usada e a forma como o foi (a arma de fogo resultante de transformação usada de forma a não deixar qualquer hipótese à vítima e a não fazer qualquer risco ao arguido, num autêntico “fuzilamento”);
– a frieza com que a conduta foi desencadeada e a reiteração, apesar da a atitude de medo da condutora do veículo e de impotência da vítima;
5 – Se o arguido agiu exaltado e muito irritado pelo facto de o tio se haver queixado legitimamente às autoridades por ofensas à integridade física, com a bengala de cego, e se ter dado inicio ao inquérito e reagiu com uma perseguição implacável de automóvel, disparando tiros em andamento até conseguir imobilizar a viatura que perseguia e então verdadeiramente “fuzilar” o tio, diabético e com graves deficiências visuais, que estava indefeso no interior do automóvel, com dois tiros, agiu com motivo fútil, o motivo perante o qual não se compreende a prática do crime, que resulta inadequado à luz dos critérios normais do homem médio.
6 – À falta de definição legal do que seja meio particularmente perigoso, deve entender-se por tal aquele que simultaneamente revele uma perigosidade muito superior à que normalmente anda associada aos meios comuns usados para matar e seja revelador de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Não pode, pois considerar-se especialmente perigosa a arma usada pelo arguido.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 2978/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Rejeição do recurso em matéria de facto — convite para correcção das conclusões — texto da motivação — nulidade do acórdão — omissão de pronúncia — tráfico de menor gravidade — medida da pena — confissão — controlo em recurso de revista
1 – São inconstitucionais, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento, pelo que a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP (cfr. Ac. n.º 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002)
2 - Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos, sendo insanável a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.
3 – O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. Só essas provas e as que o recorrido e o Tribunal entendam que as contrariam é que são transcritas.
4 – Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.
5 - Como é jurisprudência pacífica e constante, para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação.
6 – Não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
7 – O privilegiamento do crime – tráfico de menor gravidade – dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
– Nos meios utilizados;
– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
8 – Não se verifica uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica, se:
– se tratar de tráfico de duas drogas duras (heroína e cocaína) e que se prolongou por um período significativo de tempo, envolvendo necessariamente quantidades de algum valor;
– se os arguidos utilizaram e serviram prolongadamente de intermediários, numa actividade complexa, bem longe do simples tráfico de rua, visando somente o consumidor final.
9 – Confissão integral e sem reservas é aceitar que se praticou os (todos) factos imputados e os crimes correspondentes.
10 – Não merece censura a aplicação da pena acessória de expulsão ao um estrangeiro, cujos filhos habitam no país natal, estava indocumentado faz 4 anos e, encontrando-se desempregado há vários meses, dedicava-se a traficar estupefacientes, num tráfico já de revenda.
11 – É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 2951/05-5, Rel. Cons. Simas Santos
Recurso para fixação de jurisprudência — oposição de julgados — parâmetros da indemnização cível
1 – O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que:
– As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito;
– Que as decisões em oposição sejam expressas;
– Que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas. A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos.
2 – Se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores (idade do lesado, tempo esperado de vida activa, percentagem da incapacidade permanente e vencimento ou rendimento) no cálculo da indemnização a fixar pela perda de ganhos futuros, sendo igualmente de 25% o grau de incapacidade permanente parcial, mas é diferente a situação de acto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP.
3 – Não se pode configurar a fixação de jurisprudência quando a divergência se situa no domínio aplicativo, da subsunção dos factos ao direito, onde as diferenças factuais levam a diferentes (quantitativamente) soluções, sem que se verifiquem diversas interpretações da lei.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 1830/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Desvio de subsídio — medida da pena
1 – Se o arguido dá parcialmente destino ao subsídio concedido diverso daquele para que fora concedido, sabendo que era proibido comete um crime de desvio de subsídio do art. 37.°, n.°s 1 e 3do DL n.° 28/84, de 20 de Janeiro, mesmo que tenha aplicado tal subsídio numa sociedade de que era sócia.
2 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura, no quadro da qual deve ser encontrada a pena concreta.
Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. n.º 3258/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
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