1. Muito já se disse e escreveu nos últimos tempos sobre as reformas da Justiça e o ambiente que as rodeia.
Passaram-se cerca de quatro anos a trabalhar e ambicionar um Pacto para a Justiça que este Governo deitou fora de uma vez.
Voltou-se ao princípio e nomeou-se uma Unidade de Missão com um coordenador beneficiário de estatuto de “secretário de Estado”.
E agora o VII Congresso dos Juízes Portugueses...
Não consegui encontrar o discurso do ministro da Justiça na sessão de encerramento e a busca no site do ministério resultou infrutífera – o portal da Justiça encontra-se em remodelação (só o portal, entenda-se) e em breve estará disponível um novo portal.
Mas colhi da imprensa a indicação de que o ministro da Justiça apelou ao diálogo para reformar o sector e que os magistrados responderam com indiferença. O ministro não aplaudiu intervenções de magistrados e estes ter-lhe-ão retribuído quase na mesma moeda.
Aos jornalistas acrescentou que tem o apoio do Governo e do Primeiro Ministro e que vai continuar o programa definido por José Sócrates para o sector – palavras dele – indiferente às críticas. Mais incisivo ainda: "Aplico com entusiasmo as orientações do primeiro-ministro na área da Justiça", afirmou.
Entretanto, o Presidente da República prosseguiu a saga da sua tentativa de levar a procissão a sair do adro e que os intervenientes não deitem o andor ao chão.
Que os magistrados gozam do “apreço da República pela função que têm desempenhado na consolidação da democracia”; que as disfunções e necessidades de reforma persistem; que a confiança dos cidadãos na Justiça está abalada com as reformas que não se fazem – da responsabilidade do Poder Político – e com alguns desempenhos individuais de magistrados a merecerem censura social; que o PR tem consciência das diversas carências com que os magistrados judiciais se confrontam e compreende a mágoa respeitante ao tratamento que lhes tem sido dado relativamente a certos pontos.
Por isso apelou, por seu lado, à “serena reflexão” sem se escusar de afiançar que por bem conhecer todos os pressupostos e enquanto Presidente da República tem “a responsabilidade de promover e garantir o regular funcionamento das instituições, incluindo os tribunais”.
E termina concitando ao “restabelecimento do diálogo entre todos os responsáveis pelo funcionamento da Justiça, e sobre as condições de promoção de um consenso de longo prazo quanto ao seu figurino global. As reformas não podem esperar, e, sem consenso, ficarão sempre aquém, pelo menos da sua boa execução”.
2. Olhando para tudo isto, o que temos como saldo?
§ Um acirrar da crispação dos representantes de cada instituição envolvida, acentuado no próprio Congresso, e a degradação óbvia do ambiente de trabalho e da produtividade dos tribunais;
§ Um aparente cumprimento do programa do Governo, contra a comunidade forense mas, segundo o mesmo Governo – ministro da Justiça e Primeiro Ministro – “a bem da Nação” e contra uma classe de conservadores e privilegiados;
§ Os poderes do Estado a caírem na rua numa discussão em que a desconsideração ou a ignorância recíproca de pontos de vista, vão tomando o lugar da urbanidade e do trabalho conjunto.
O Senhor Primeiro Ministro toma o partido do seu ministro – o que pode ter-se como normal – passando indiferente a tudo o resto, o que já o não é, nomeadamente à rarefacção das instituições, para que também contribui.
Portanto, as esperanças concentram-se, apesar do fim do mandato que se avizinha, no Senhor Presidente da República e Advogado, Dr. Jorge Sampaio. O futuro breve dirá se os dez anos de “discursos” em prol de um consenso alargado para as reformas da Justiça chegam a um happy end. Ainda que fosse uma luzinha ao fundo do túnel.
1 comentário:
Concordo com esta excelente análise.
Salientaria dois pontos que dela resultam.
O primeiro é que a Assembleia da República se tem mantido silenciosa nesta matéria, quer em sede de discussão séria e profunda da questão da justiça, quer tomando iniciativas próprias, ficando-se por uma postura silenciosa perante a questão de sua especial responsabilidade, atenta a competência exclusiva para legislar sobre a organização dos Tribunais e o estatuto dos magistrados.
O segundo prende-se com a constatção de que a intervenção do Presidente da República não poderá manter-se só ao nivel de exposição de ideias, ainda que justas, sobre a justiça e pela sugestão de acordos, mas deveria passar pela interpelação operativa e institucional da Assembleia da República
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