segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Conselho Consultivo da PGR

Parecer n.º 35/2005. - Resolução do Conselho de Ministros - Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça - Empreitada de obras públicas - Obras de urbanização - Direito de participação - Avaliação de impacte ambiental - Sociedade gestora de participações sociais - Contrato-promessa - Contrato misto - Sinal.
1.ª A Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/2003, de 7 de Março, determinou a prática de actos e estabeleceu procedimentos necessários à realização da empreitada de construção/concepção das novas instalações da Polícia Judiciária, em Caxias, e, entre as modalidades de financiamento previstas, incluiu as receitas provenientes da alienação dos imóveis afectos aos serviços daquela instituição sitos em Lisboa e identificados por anexo.
2.ª Pelo mesmo instrumento jurídico, o procedimento e o contrato de empreitada foram classificados com o grau "confidencial", por invocadas razões essenciais de segurança do Estado, o que, nos termos do artigo 136.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que aprova o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, permite que a adjudicação se processe por ajuste directo ou, por maioria de razão, por outra modalidade mais solene, tendo sido escolhido o concurso limitado, restrito às entidades credenciadas em matéria de segurança, seguido de negociação.
3.ª Na data em que praticou os actos de adjudicação da empreitada e de aprovação da minuta do respectivo contrato, a Ministra da Justiça não dispunha dos necessários poderes, embora posteriormente os tivesse adquirido, pelo que, de acordo com o princípio tempus regit actus, aqueles enfermavam do vício de incompetência por falta de competência.
4.ª O referido vício é gerador de anulabilidade dos actos, mas não tendo sido estes objecto de impugnação no prazo fixado no artigo 101.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, consolidaram-se na ordem jurídica como se de actos válidos se tratassem.
5.ª Pela sua natureza, dimensão, acessibilidades e infra-estruturas envolventes, as obras a realizar no âmbito da referida empreitada incluíam obras de urbanização, segundo o conceito definido no artigo 2.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que aprova o regime jurídico da urbanização e da edificação.
6.ª Enquanto destinadas à instalação de um serviço público, realizadas em terrenos afectos ao Ministério da Justiça, definidas por resolução do Conselho de Ministros e emitidas pela Ministra da Justiça as principais decisões, devem tais obras considerar-se abrangidas pela dispensa de licenciamento municipal estabelecida pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 555/99, não obstante terem sido operacionalizadas através do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, exigindo, porém, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, autorizações prévias do Ministro da Justiça e do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, precedidas de pareceres, não vinculativos, da Câmara Municipal de Oeiras e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.
7.ª Embora as referidas obras se tivessem iniciado sem ter sido emitido o acto de autorização do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e sem que o acto de autorização da Ministra da Justiça, na parte em que divergia dos pareceres das entidades referidas na conclusão anterior, estivesse devidamente fundamentado, posteriormente, foi concedida a autorização daquele membro do Governo e, por acto do novo titular da pasta da justiça, que renovou a anterior decisão e a dotou da necessária fundamentação, foi convalidado o acto anterior, nos termos do artigo 137.º do Código do Procedimento Administrativo.
8.ª A deliberação da Câmara Municipal de Oeiras que considerou violado o Plano Director Municipal, com referência ao artigo 36.º, não se baseia na violação de parâmetros objectivos ou de disposições imperativas daquele instrumento de gestão territorial, dado que a referida norma enuncia critérios e conceitos genéricos, cuja ponderação e determinação cabem à entidade com competência para o licenciamento ou autorização, no exercício desses poderes.
9.ª Nas partes em que o projecto de obras foi expressamente excluído da sujeição ao regime de segredo de Estado, nos termos do despacho proferido pela Ministra da Justiça, deviam ter sido observados os procedimentos de discussão pública e de participação popular, exigidos pelo artigo 7.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 555/99 e no artigo 4.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, respectivamente, quanto às obras de urbanização promovidas pelo Estado e quanto às obras públicas cujos custos excedam o valor correspondente a Euro 4 987 979,90.
10.ª A omissão destes procedimentos constitui vício de forma, por preterição de formalidade essencial, e gera a anulabilidade dos actos de autorização.
11.ª O projecto da referida obra não estava sujeito ao procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA), visto não ter sido expressamente exigido pela via administrativa prevista no artigo 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, nem se integrar nos elencos taxativos dos anexos I e II do mesmo diploma.
12.ª No âmbito do procedimento que precedeu a celebração dos contratos-promessa de compra e venda dos edifícios afectos ao funcionamento da Polícia Judiciária, verificou-se a omissão de uma formalidade essencial, consistente na não obtenção de parecer da comissão de fiscalização do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
13.ª A omissão desta formalidade integra um vício de forma susceptível de gerar a anulabilidade do acto final de autorização, mas, não tendo sido objecto de impugnação no prazo previsto no artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aquele acto produz efeitos e não afecta a vinculação contratual da Administração.
14.ª Os contratos celebrados, qualificados pelas partes como contratos-promessa de compra e venda, integram, para além dos elementos típicos deste modelo contratual, outros elementos próprios de um financiamento.
15.ª As entregas financeiras efectuadas pela promitente-compradora, de acordo com um cronograma que faz parte dos contratos, sendo remuneradas através de juros a pagar pela promitente-vendedora à taxa do mercado de capitais, não integram o conceito de sinal, apesar de as partes lhes terem atribuído a qualificação de reforço de sinal.
16.ª Deste modo, e tal como decorre dos considerandos que antecedem as respectivas cláusulas, os contratos devem caracterizar-se como contratos mistos, aplicando-se aos elementos típicos de cada um dos contratos o respectivo regime jurídico, donde resulta o afastamento do regime do sinal próprio do contrato-promessa de compra e venda.
17.ª No caso de incumprimento por parte do promitente-vendedor, e na falta de acordo das partes, dada a descaracterização como sinal das prestações entregues, deverá haver lugar à restituição natural dos respectivos montantes e, eventualmente, à indemnização da promitente-compradora pelos danos resultantes desse incumprimento, nos termos gerais do incumprimento dos contratos e da obrigação de indemnização.
18.ª Para o caso de mora no cumprimento por parte do promitente-vendedor, as partes estabeleceram um regime específico, na cláusula 9.ª, n.º 4, fixando aí os termos da respectiva indemnização.
19.ª Face aos termos do contrato e às regras de interpretação da declaração negocial, conjugados com as características da operação em que a promessa de compra e venda se integrou e com a afectação dos imóveis prometidos vender, a execução específica, tal como a celebração do contrato definitivo, não se mostram possíveis enquanto os imóveis não estiverem devolutos.
José Adriano Machado Souto de Moura - Maria de Fátima da Graça Carvalho (relatora) - Manuel Pereira Augusto de Matos (com voto de vencido em anexo) - José António Barreto Nunes - Paulo Armínio de Oliveira e Sá - Alberto Esteves Remédio (vencido pelas razões constantes do voto do meu Exmo. Colega Dr. Manuel Matos) - João Manuel da Silva Miguel - Mário António Mendes Serrano (vencido pelas razões constantes do voto do meu Exmo. Colega Dr. Manuel Matos) - Maria Fernanda dos Santos Maçãs - Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol.

Este parecer foi votado em sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 30 de Junho de 2005.

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