sexta-feira, 26 de agosto de 2005

AINDA A "UNIDADE DE MISSÃO PARA A REFORMA PENAL"

Decidi reler a Resolução do Conselho de Ministros que constituiu a Unidade de Missão para a Reforma Penal, pois surgiram-me dúvidas sobre a opinião a que aderi logo que tive conhecimento da sua criação e constituição.
Leio no nº1 da Resolução que “tem por objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma de legislação penal” – que deverão ser aqueles que estão enunciados no programa do Governo, penso eu. Parece-me que a criação desta estrutura é positiva se tiver em vista procurar garantir a coerência e articulação entre as diversas intervenções legislativas anunciadas (prioridades de política criminal, alterações ao Código Penal e ao de Processo Penal, execução das penas, etc.), uma vez que a incoerência e a desarticulação entre diplomas legais estão entre os problemas actuais da produção legislativa, provocando ineficácia e enfraquecendo a sua força normativa.
Compõem-na, para além do coordenador, um conselho integrado por membros de departamentos do Ministério da Justiça ou sob a sua tutela e um membro do gabinete do próprio ministro. E o nº4 estabelece que “o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho (...) representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes para a reforma penal”.
Ora, está aqui o centro das críticas: a não integração na composição do conselho da UMRP de membros do CSM, do CSMP e da OA, o que vem sendo entendido por alguns como uma forma de marginalizar os profissionais do foro, os que aplicam a lei e melhor conhecem o funcionamento e os problemas do sistema de justiça penal, do debate e concepção das reformas legislativas.
Também assim comecei por pensar, influenciado por algumas atitudes de gratuito afrontamento que o Ministro da Justiça tem adoptado no relacionamento com magistrados, advogados e funcionários de justiça, o que me levou a concluir de imediato: cá está mais uma atitude de afrontamento.
Há, contudo, que tomar em consideração que este governo se demarcou da ideia de Pacto da Justiça defendida pelo anterior, em face da qual fazia todo o sentido a constituição de um colectivo que integrasse o poder político e também os órgãos representativos e de gestão das profissões forenses. E que afirmou assumir a responsabilidade política de apresentação das suas próprias propostas, pelo que faz sentido que constitua um órgão que, sob a dependência do Ministro da Justiça, conceba os “projectos de reforma da legislação penal” que pretende vir a apresentar; assim como faz sentido que tal órgão tenha necessidade de ouvir o CSM, o CSMP, a OA e professores universitários no processo da sua elaboração, sobre aspectos técnico-jurídicos e da sua incidência na prática judiciária.
Este caminho permite, de resto, dois tipos de clarificações: por um lado, clarifica que as opções de política criminal (em sentido lato) não são questões meramente técnicas, mas essencialmente escolhas políticas ideologicamente informadas; por outro lado, clarifica a autoria e a responsabilidade dos projectos, que são inequivocamente do governo.
Elaborados os projectos, então há que haver um debate amplo, no qual o CSM, o CSMP e a OA desempenharão um papel muito importante, que terá de ser necessariamente alargado às associações sindicais do sector, à sociedade civil, a todos os cidadãos. Em que se debaterão as opções político-legislativas, as soluções técnico-jurídicas escolhidas para a sua concretização, o texto concreto dos projectos, e serão apresentados todos os contributos tendo em vista a elaboração da versão final a ser aprovado pelo Governo ou a ser apresentada por este à Assembleia da República.
Nessa fase é que têm de ser exigidas as condições necessárias a uma ampla participação democrática.

2 comentários:

Vítor Sequinho dos Santos disse...

Pedindo desculpa pela intromissão, gostaria de dizer qualquer coisa, apesar de já restar pouco para dizer após os comentários anteriores.
Qualquer que fosse a composição da UMRP, nunca estaria em causa que quem tomaria decisões seria o Governo e que, como corolário, a responsabilidade política pelas reformas seria sempre dele.
O que está em causa é saber com quem o Governo quer trabalhar para encontrar as melhores soluções. Nesta perspectiva, seria natural fazê-lo também com quem lida, no dia a dia, nos Tribunais, com as matérias que poderão vir a ser objecto de reforma.
Ao optar por estreitar a participação efectiva, de pleno direito, por forma a dela excluir Juízes e outros profissionais do Direito, parece-me que o Governo excluiu, logo à partida, contributos que poderiam ser muito válidos para que o resultado seja aquilo que todos desejamos e de que o País precisa: boas leis (a este propósito, lembro que Portugal voltou, há dias, a descer na tabela dos países mais atractivos para o investimento estrangeiro e que uma das razões principais invocadas para essa descida é o mau funcionamento dos Tribunais).
Sobre o que não poderá deixar de significar, na prática, a diferença entre uma participação meramente pontual, eventual, por convite, e uma participação permanente e efectiva, limito-me a remeter, com a devida vénia, para o comentário anterior.
Tendo em conta o que tem sido a prática deste Governo no que toca à «ampla participação democrática» na elaboração de diplomas legais na área da Justiça, não acompanho o optimismo expresso no final do post.
Todavia, desejo estar errado e que, a qualquer momento, o Governo se mentalize de que aquilo que os Juízes pretendem, em todos os seus actos, não é defender «interesses corporativos» que só existem no imaginário de políticos, jornalistas e alguma opinião pública por eles manipulada (os primeiros, se quiserem descobrir os verdadeiros interesses corporativos, talvez seja melhor começarem por olhar para dentro da sua própria casa), mas sim contribuir para que a Justiça funcione. Só isso.
A prova real sobre esta matéria virá no momento do tal debate sobre as soluções que vierem a ser propostas pela UMRP. Então se verá se esse debate será amplo e democrático ou, em vez disso, se reduzirá a reuniões meramente protocolares com representantes do CSM, do CSMP e da OA na véspera da discussão e votação dos projectos em Conselho de Ministros, ou no simples envio de fotocópias dos projectos pedindo resposta muito urgente porque aquelas discussão e votação se realizarão meia dúzia de dias depois.
Cá estamos todos para ver.

Vítor Sequinho dos Santos disse...

Sr. Dr. Rui do Carmo.
Peço desculpa por ter interpretado mal o seu pensamento no concreto aspecto que referiu.
Se há ideia que me é desagradável é a de entrar em casa alheia, sem convite e, ainda por cima, incomodar um dos donos.
Retiro, pois, a referência em causa, o que, obviamente, em nada prejudica o essencial daquilo que afirmei e mantenho.
Os meus cumprimentos.