sábado, 28 de maio de 2005

Os privilégios corporativos

Afinal, ficamos agora a perceber melhor o «arreganho» do actual Governo em relação ao afrontamento de certos privilégios corporativos, em que as férias dos magistrados, manipuladoramente perspectivadas em clave de falta de eficiência dos serviços e calaceirice dos agentes da justiça, caíram amplamente no goto popular. Tratava-se de preparar um draconiano pacote de medidas de austeridade que vão afectar largos sectores da população e que vão principalmente fazer incidir toda a sua dureza sobre o lombo de quem sempre tem arcado com as consequências da crise, das várias crises que se vão acumulando. Essas consequências irão reflectir-se inevitavelmente nos próprios serviços da justiça, na sua produtividade, na sua eficiência, e irão anular ou reduzir grandemente as expectativas criadas. Não é com o pacote de medidas anunciado, que, não obstante o espavento com que foi apresentado irá ter um reduzidíssimo alcance, que se conseguirão debelar os males que afectam o sector e esconjurar uma crise que tem sido eleita como a crise por excelência, porque a justiça, como sabemos, ao menos de um ponto de vista retórico, é um pilar fundamental da democracia. Seria preciso investir na justiça mais do que retórica e demagogia. Seria preciso investir meios, e isso implica dinheiro para as coisas fundamentais. E dinheiro é coisa que vai faltar, mais do que até aqui tem faltado. Isto para além de as medidas anunciadas irem agravar também, já no imediato, o nível de vida dos chamados «operadores judiciários», reduzindo as possibilidades de investimento dos próprios em autoformação, num país onde, por carências de toda a ordem, a formação está principalmente a cargo dos mesmos agentes que servem o Estado. Assim como também tais medidas vão pôr em causa a ténue diferença salarial entre os vários estratos profissionais, principalmente os de nível superior e os restantes, com a desmotivação consequente, a que se soma o agravamento provocado pela supressão abrupta de outras expectativas e até direitos adquiridos. No final, vamos ter, senão uma crise agravada, pelo menos a manutenção da crise, porque não se podem fazer milagres com os meios artesanais com que se trabalha e com uma estratégia demolidora da capacidade e do brio de profissionais que na sua maioria trabalham tão arduamente, como aquela que, sem precedentes, tem vindo a ser alimentada. É provável que uma tal estratégia seja já pensada para mascarar um continuado fracasso na área da justiça, a que se irá juntar, com toda a probabilidade, um aumento da criminalidade derivado das drásticas medidas agora tomadas.

Artur Costa

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